“Dreamers, they never learn”
Paul Thomas Anderson propõe uma dialética no novo clipe do Radiohead. Depois de tanto assistir ao clipe com a nova música, nas primeiras vezes fiz uma ligação rápida com A Caverna de Platão. Mas depois pensei e acabei fazendo uma outra ligação, com A Caverna do Saramago.
Platão diz que ao estar preso em uma caverna, os homens vêem sombras que são projetadas pela entrada do sol, e estas tem uma representação da realidade. Os homens presos dentro da caverna chegam a ter a noção de que o mundo real é tomado por sombras, ou seja, a caverna é o mundo dos homens.
Saramago, em seu livro, faz uma alegoria deste mito, porém culpando a consciência do cansaço da vida ao capitalismo e a tecnologia. Ao fazer essa analogia, o escritor português, diz que estamos cegos de tudo o que está à nossa volta, da sensibilidade à razão, cegos da ciência à nossa volta. Nós deixamos de ser funcional à essa sensibilidade, e muitas vezes, nos tornamos perversos. Ele nos traz para a caverna de Platão dizendo que vivemos nela atualmente, as sombras somos nós, e a realidade é outra, ou estamos presos a outra (ir)realidade. Quantas vezes você observa a realidade que está à sua volta? Quantas vezes você se sensibiliza com a absorção do outro à realidade dele? Nós, muitas vezes, repetimos a situação do próximo, ou queremos chegar perto da situação daquele. Atar-se ao mundo do outro é desligar-se da própria realidade. Sonhadores, eles nunca aprendem.
Enquanto Thom Yorke vem caminhando pela abertura, aparentemente do estacionamento de um prédio, vultos o acompanham atrás. Ele começa a passar por quadros, quase em plano sequência, de momentos rotineiros da vida de uma pessoa. Tudo não parece um sonho, como talvez queria indicar a música. Tudo é a realidade, não a do personagem, mas a das outras pessoas, ele começa a prestar atenção o quão ignóbil esta realidade é. Falta estética para participar desta realidade. No momento que ele entra em uma lavanderia entram os versos “Beyond the point / of no return”, e dá um sorriso malandro, meio angustiado, ou talvez de pena. “It´s too late, the damage is done”.
À partir deste ponto, a próxima porta o leva a uma floresta. As árvores têm um significado para Platão, o de que elas são uma “auto regeneração da ideia” (mas isso é para outra análise). Daí também surge o momento que ele começa a subir a escada, os cenários vão se tornando mais brancos, até chegar ao mar. Onde a realidade de alguns é mais liberta. “This goes, beyond me, beyond you”.
Ele chega a um piso superior daquele prédio do início.
A realidade circula, e agora sim, em sonho ele volta à sua, abrindo todas as portas para entrar nela. Muitas destas portas são “fire scape”. Mais escadas, agora em espiral. Ele entra na caverna, onde há apenas uma fogueira. O sorriso, talvez, não seja de felicidade, mas sim de chegar à ascensão da sua realidade.
O final do livro do Saramago remete, surpreendentemente, a Platão, mas com um final mais sombrio que o do clipe.
Toda alegoria do clipe e da ideia, para mim, passa a ser inversa à ideia de Platão. Mas cíclica como a de Saramago. A caverna é inversa. A caverna é um ciclo. A realidade é inversa.
PS: talvez, esta seja a obra-prima da arte musical e visual deste ano.
Leia a nossa cobertura do LP9, do Radiohead
Veja o clipe de Burn the Witch
Veja o clipe de Daydreaming e análise complementar
Radiohead lança novo álbum A Moon Shaped Pool
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