Praieiro é o terceiro álbum cheio do Selvagens à Procura de Lei, lançado nesta semana, de forma independente. A banda cearense radicada em São Paulo expande seus horizontes musicais e acrescenta tempero ao Rock tradicional do grupo com outras levadas, como Reggae, Funk e worldbeat. O entrosamento ao longo dos anos é refletido nos álbuns, as músicas foram crescendo e os arranjos sofisticando-se, mas é neste disco que as maiores mudanças se encontram.
A experiência de imersão ao construírem uma vida morando juntos como banda, estabelecendo novos contatos e intercâmbios artísticos, infraestrutura de trabalho adequada, ou seja, fazendo uso inteligente do reconhecimento que alcançaram ao longo do caminho mostra que os recursos vieram e foram bem aproveitados.
Evolução e amadurecimento são as palavras de ordem. Estes termos são tão batidos no meio musical que ninguém mais presta atenção quando eles realmente significam alguma coisa. E neste disco significa. Os elementos sonoros, além de aumentarem em quantidade – com mais ritmos, mais instrumentos e mais músicos convidados – também cresceram de tamanho.
Nota-se que a banda não teve receio de encaixar suas convicções, fato comum para bandas novatas com medo da desaprovação. A questão dos vocais é um belo exemplo disso, os 4 integrantes da banda ou até ninguém canta, em uma clara evolução dos rumos do anterior álbum homônimo. Não tem mais aquele receio de que as músicas se percam ou, não seja mais identificado um DNA, uma voz da banda.
“Tarde Livre” (faixa que ainda entrou na nossa lista de melhores músicas de 2015), primeiro single do novo Selvagens, é a síntese de Fortaleza. A capital do Ceará ferve a diferença entre a beleza natural e o caos urbano. A simpatia do povo e a violência inerente. Assim acontece a harmonia, alternando dinâmicas opostas. Muita calmaria traz tédio. Muito caos traz stress.
Assim o SAPDL cresce e resenhar o disco ainda é tarefa muito prematura, mas algumas faixas logo se destacam na primeira audição, como: “O amor é um rock 2” que não nega suas influências, já ditas por Gabriel antes de começar a cantar. O título da música é uma referência ao “O amor é um rock” de Tom Zé, e logo aparecem versos de “Ce tá Pensando Que Eu Sou Lóki?”, de Arnaldo Baptista e “Cowboy Fora da Lei”, de Raul Seixas. A música tem toda uma construção de rock clássico. A parte do refrão e como as vozes de apoio entram suingadas lembra muito o que o Arctic Monkeys fez em “Snap Out of It”. “Dois de fevereiro” – junto com a instrumental “Praieiro” – é a faixa que melhor ilustra a bela capa do disco, música com o ritmo quente do verão. A guitarra tem os timbres e o contorno da guitarra baiana, e a parte percussiva também destaca-se para fechar este clima. “Guetos Urbanos” fica como a melhor amostra do reggae supracitado. “O que será o Amanhã?” surpreende com um atmosfera, por vezes, de country americano. E por fim, “Lua Branca”, faixa DNA do Selvagens, de refrão explosivo e construída ao redor de versos brandos e cantarolantes.
SELVAGENS À PROCURA DE LEI: UM BREVE HISTÓRICO
Criado em 2009, o grupo formado por Rafael Martins (voz e guitarra), Gabriel Aragão (voz e guitarra), Caio Evangelista (baixo) e Nicholas Magalhães (bateria) percorreu os principais festivais do país, entre eles o extinto Planeta Terra (2011) e o Lollapalooza (2014).
O caminho bem sucedido foi traçado a partir da discografia composta pelos EPs Suas Mentiras Modernas e Talvez Eu Seja Mesmo Calado, mas Eu Sei Exatamente o que Eu Quero – ambos de 2010 – e Lado C, este último de 2011. O primeiro álbum completo veio no mesmo ano. Trata-se de Aprendendo a Mentir, elogiado por nomes relevantes do cenário nacional e responsável por catapultar o rock do Selvagens aos quatro cantos do país. Em 2013, o álbum homônimo veio reforçar o talento do garotos radicados em São Paulo.
SOBRE A ENTREVISTA
A entrevista com a banda aconteceu em dezembro de 2015, antes de um show realizado no Poço da Draga, comunidade carente de Fortaleza. Eu estava de férias na cidade, quando soube que o Selvagens tocaria de graça neste espaço, na Feira Massa, iniciativa cultural de empresas do Ceará e o Governo do Estado. Feito para a comunidade, a noite envolveu os locais e gente de todas as idades, muitos olhares curiosos e idosos, dividindo o espaço com os jovens fãs do Selvagens, que vieram de todos os cantos de Fortaleza. Tudo aconteceu harmoniosamente, em uma noite de positividade memorável, onde também pude ver um rapper local, Erivan, se apresentar. O show vence pelo conjunto de boas canções, mas mais do que isto, vence de goleada por muita vontade e muita entrega de banda e público, existe uma simbiose maluca na energia, de Fortaleza para Fortaleza.
O meu primeiro contato com o Selvagens À Procura de Lei aconteceu antes do show e foi o mais positivo possível, educados, tranquilos e donos desta energia já citada, genuinamente positiva. Caio Evangelista, o baixista, me contou sobre o que significava pra eles estar lá: “Tem mais de duas mil pessoas nesta comunidade, existem vidas acontecendo em um pequeno espaço da cidade, essa é uma área que é vista como perigosa, então acho que trazer artistas pra cá, abrir um palco por uma noite que fique como boa memória na vida das pessoas, é um trabalho que precisa ser valorizado, todo esse sentido de ocupação. E valorizamos esse tipo de trabalho, pela comunidade, para essa galera que nem sempre tem a oportunidade de ver um show nosso. Nós queremos estar aqui.”
E, neste tom, a entrevista seguiu, onde eles falam sobre carreira, a influência de São Paulo em Praieiro, como foi a gravação do disco, a questão da sonoridade, os músicos que participam, o compromisso deles com os fãs -principalmente os mais jovens -, a temática nas letras, o atual momento do país e os planos para 2016.
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Vamos começar falando do Praieiro. É um disco de saudade de casa, vocês podem comentar um pouco?
Gabriel: Não é um disco de saudade de casa não. A galera, às vezes, acha que é nostalgia da gente estar lá em São Paulo, e que pensamos: “aí que saudade da minha Terra”. Mas, não é bem isso, o fato de estarmos morando juntos na mesma casa fez com que a gente construísse ali um universo que a gente chamou de Praieiro. É mais um sentimento de olhar pra frente mesmo, de futuro e amadurecimento.
Caio: E nossa mudança pra São Paulo reflete no som, mas mais do que um disco de saudade, é fruto do que a gente viveu. As referências que trazemos de Fortaleza, já estão diferentes, aquela de quem não mora mais aqui. Então mais do que um disco saudosista, é um disco sobre as coisas que estão acontecendo.
E a cidade de SP influenciou alguma coisa?
Nicholas: Ah influenciou muito né, bicho. São Paulo é um universo inteiro. Se em Fortaleza você consegue trabalhar X, em SP você consegue trabalhar 10 vezes mais, porque você lida com gente do país inteiro e de todo o mundo.
Gabriel: A gente até cita isso em “Sangue Bom” [cantarola]: “Aqui em sampa todo cena é de cinema. Entre a impunidade e o manifesto, a vitrine dos esquemas”.
Rafael: Desde a inspiração pra várias músicas até o amadurecimento pessoal de cada um.
Então existe referência direta?
Nicholas: Sim, e São Paulo é um mundo novo, porque é o trajeto de muito nordestino e também de muita gente do sul, justamente por ser um polo midiático imenso. Lá você consegue difundir o seu som, então sim, São Paulo é muito importante na nossa composição e na nossa história. Quem deu a oportunidade de gravar este disco foi SP. A gente até conseguiria um estúdio aqui, mas, o apoio da Red Bull, gravar no estúdio deles, encontrar o nosso produtor que é de outro país, só em São Paulo juntamos todas estas coisas.
Quais seriam as principais diferenças de Praieiro para os dois álbuns anteriores?
Gabriel: Ah quase tudo, mas é tudo evolução. Desde o primeiro EP, até o Praieiro, você percebe que o Selvagens torna-se o que esperávamos como projeto de banda, como por exemplo, cada um estar cantando. E, cada um tem e traz o seu diferencial.
Caio: Temas também. A questão rítmica no Praieiro você nota um grande diferencial, acho que foi fruto de sons e músicas pessoais, além de um mergulho na música brasileira, e até regional nossa, como o baião.
De cara eu já percebo que ficou mais difícil definir o som. Vocês estão soando mais plurais?
Gabriel: Com certeza, muito Alceu Valença, Bob Marley, Funkadelic, Daft Punk também.
Rafael: O Praieiro abriu um leque que a gente sempre teve, mas nunca conseguiu explorar de fato. Ficávamos mais no rock e nas baladas. Mas decidimos ousar e resolvemos fazer um groove aqui, colocar um reggae, fazer um funk, fazer um disco e acho que deu certo.
Caio: E junto com essas decisões que acontecem no dia-a-dia, tivemos a oportunidade de ensaiar muito antes de entrar em estúdio. Ficamos um tempo sem microfone, o que deu tempo de ensaiar e cuidar do instrumental. Pudemos criar e investir nos arranjos, testando novas levadas e influências.
Gabriel: As letras também ficaram diferentes. Algumas palavras mais exóticas, algumas mais bem-humoradas, coisas que não exploramos tanto nos dois primeiros.
Praieiro é o melhor álbum da carreira de vocês até agora?
Rafael: Acho que sim, é um álbum muito sincero, onde os quatro estão ali.
Nicholas: Além disso, que eu acho que sempre rolou, a música sempre foi construída em torno dos quatro, mas a gente teve a oportunidade de gravar com caras incríveis como o Apollo [9], que tocou no Planet [Hemp], Fernando Bastos, saxofonista e o Junior Mouriz que toca gaita, ambos com o Seu Jorge, a gente gravou com Edy Trombone, Tiquinho no trombone também, Paulinho no trompete, Marlon Sette que era aprendiz do Lincoln Olivetti, grandes músicos. A gente conseguiu juntar em nosso discos todos estes músicos, o que tornou a coisa muito grande. Tem músicas ainda que a gente não tocou. Eu gosto de dizer que eu gosto de escutar as nossas músicas e olha que eu sou meio chato com música. Esse disco faz parte da nossa história, várias coisas que escutamos e lembramos de nossas histórias.
Caio: A gente estava em um momento de mais maturidade e liberdade artística, já tínhamos dois discos, foi a terceira vez em estúdio e a segunda vez [trabalhando] com o [produtor] Davi Porcos. Então o momento em que estávamos acaba refletindo no disco, bem pra cima e bem quente.
Gabriel: E a liberdade artística, a Red Bull nos deu muito tempo livre de estúdio pra gente trabalhar. A maior dificuldade hoje em dia é você ter dinheiro pra pagar o tempo que leva para evoluir a música. Mas lá, a gente chegava de manhã e saía de noite todo dia. O estúdio é muito bom, de qualidade gringa mesmo, conseguimos testar várias coisas e não foi tão apressada a gravação, isso fez toda a diferença.
E falando um pouco sobre o público de vocês. É uma banda que conseguiu respeito na cena alternativa, mas vocês conseguiram audiência maior que a deste circuito e atingiram também a audiência do rock clássico. E ainda tem um trunfo, vocês têm muitos fãs bem jovens né. No final são aqueles que levantam a banda mesmo, fervem desde a internet até os shows.
Nicholas: Com certeza, pra caramba!
Gabriel: Sim. A gente até estava comentando sobre isso, que os coroas estão dando maior valor no show da gente também. Sempre nos shows tem uma galera assistindo com os pais, e depois eles vêm comentar que curtiram muito o som, que lembra a galera dos anos 80 também… e a gente cresceu ouvindo isso né?
Rafael: E nossas músicas tem muito do que a gente gosta de escutar. Tanto do clássico, quanto das novidades que estão saindo agora, e a galera sente isso nas músicas. E sobre esse lance de público. A gente quer atingir cada vez mais todo o tipo de público. Nós queremos que nossas músicas cheguem no máximo de pessoas possível, no Brasil inteiro, seja jovem ou coroa.
Nicholas: O que eu acho bacana, neste negócio de ter muito fã bem jovem, é que eu sinto que o Selvagens tem uma responsabilidade com aquilo que escreve. Em nossas músicas tentamos manter sempre uma responsabilidade tanto do que a gente escreve, quanto do que a gente toca. E a sensação é de estar sendo correspondido por isso. É uma galera nova que está procurando algo para se identificar. E, de fato, eles recebem a nossa música de uma maneira bem intensa, são os que mais se emocionam nos shows. Eu acho isso ótimo.
E no final dar certo na música popular, é conseguir atingir todos, ou ao menos, diversos tipos de público.
Rafael: E no Brasil então… que é um país ainda onde tem muita gente sem acesso à cultura, muitas vezes esta é a chance de você passar uma mensagem legal, uma sonoridade que muitas pessoas ainda não escutaram, por exemplo, na rádio. E a gente sente que tem essa missão também, de fazer músicas para as pessoas se sentirem melhor.
Eu tenho uma percepção de vocês que o tempo só deu mais sentido de unidade. Normalmente em bandas é o contrário né. Começa algo uniforme e vai se desmantelando com o tempo, seja por vaidade, por diferenças ou desgastes do dia-a-dia. É isso mesmo? O tempo deu mais unidade para vocês como banda?
Gabriel: No primeiro EP quem cantava era eu e depois no segundo, o Rafa já começou a cantar. No primeiro disco o Caio começou a cantar vários vocais de apoio. No segundo disco da banda, o Nicão cantou liderando em “Despedida”. Agora nós quatro estamos cantando no Praieiro. Então eu acho que a gente está num estágio daquela banda que a gente queria ser. Projetávamos a banda assim: quatro indivíduos e todos colocando as músicas para fora.
Caio: No Praieiro eu acho que a gente conseguiu avançar no trabalho de vozes, é algo que fomos evoluindo ao longo dos disco. A gente já trabalhava a questão de coro, como em “Mucambo Cafundó”, e isso sempre foi um ponto alto do Selvagens, um diferencial. Então essa possibilidade de todo mundo cantar, surgiu de forma natural e só faz o som ficar mais rico.
Muitas letras de vocês possuem uma cunho socio-político forte, como vocês enxergam o momento do Brasil?
Rafael: O Brasil está passando por um momento que é uma incógnita pra todo mundo, politicamente falando, e acompanhamos bastante. Nas músicas do Praieiro tentamos abordar isso de uma forma que não seja de apontar o dedo, mas de abrir os olhos de todo mundo. A gente costuma olhar muito para a televisão e para o jornal e tomar conclusões, mas tem muita acontecendo que não temos conhecimento ainda, então o que vale é a reflexão. Levamos a música para este lado, no disco novo “Sangue Bom” fala disso e “Guetos Urbanos” também.
E como a banda segue em 2016?
Caio: O nosso pensamento está no lançamento deste disco, e na sequencia viajar, tocar nossos sons, chegar em cidades aonde ainda não tocamos, repetir aquelas que já tocamos, mostrar cada vez mais nossas músicas, o que significou ir morar em SP, porque eu acho que o Praieiro é fruto disso. E o que queremos é tudo isto.
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