A difícil missão de se manter relevante na música. O binômio entre ser um sucesso e fazer o trabalho que lhe satisfaça, ou arte, é uma equação que sempre pesou mais para a segunda variável, no caso de Tricky. O artista encontrou o auge do seu sucesso nos anos 90, impulsionado pela parceria com o Massive Attack e posteriormente com seus álbuns solos, os três primeiros, principalmente o primeiro, Maxinquaye, que foi considerado o álbum do ano (1995), por publicações importantes como a Melody Maker e NME, e tido como um disco essencial dos anos 90 para muita gente, incluindo Mojo, Rolling Stone, Spin e Q.
Tricky sempre trabalhou com uma ampla gama de gêneros, mas por utilizar nas suas canções mais conhecidas, linhas vigorosas de baixo, beats “morfinados” e vocais sussurrados —- e principalmente pelo trabalho nos dois primeiros discos do Massive Attack, particularmente o primeiro, Blue Lines (1991), considerado o abre-alas do gênero que tomou corpo em 1994 —- o músico é fortemente associado ao trip hop, rótulo que ele já demonstrou desprezar em declarações anteriores. Nesta entrevista, Tricky declara entender aquele momento no tempo como definitivo para o sucesso de seu primeiro disco.
Com uma carreira consistente, afinal foram 10 discos lançados em 20 anos, o britânico não dá sinais de cansaço. Atualmente é dono do próprio selo, recentemente lançou o regular álbum que leva o seu nome, Adrian Thaws (2014), e já está gravando o próximo disco. Sempre olhando para frente, o leitor irá perceber com facilidade algum desinteresse do artista em falar sobre coisas do passado, inclusive do passado recente, como o disco lançado em setembro desse ano (!!). Tricky se entusiasma ao comentar que lançará o primeiro LP solo de Francesca Belmonte, sua parceira de vocal nos últimos anos e que deve ser lançado em algum ponto de 2015. Dono de uma honestidade e acidez impares, o artista nos contou por telefone alguns detalhes do novo álbum, como foi dirigir o ator Norman Reedus de The Walking Dead, o que pensa sobre a indústria da música, Kanye West e alguns parceiros com quem já trabalhou em canções, incluindo os Red Hot Chili Peppers.
Tricky, vamos começar pelo seu disco mais recente. Há um monte de climas neste álbum, e isso meio que reflete a sua carreira. Você pode me dizer um pouco mais sobre a ideia por trás da música? Como você queria que soasse e se você acha que alcançou?
Eu realmente não tentei fazer nada especificamente, para ser honesto com você. Eu não tento fazer uma determinada coisa. É apenas sobre se divertir. É assim que a música vem.
Você está satisfeito com o resultado final?
Sim, totalmente. Mas já sinto como um ciclo fechado faz um tempo. Eu estou terminando meu novo álbum. A indústria está sempre atrás da arte. Portanto, este álbum foi feito há um longo tempo para mim. Então eu entrei em turnê, parei pra relaxar e em turnê novamente. E, no próximo ano, vou estar em turnê do novo álbum, que deve sair no próximo verão, talvez no fim do outono.
Bela notícia. A música “Nicotine Love” ainda acho uma das melhores músicas deste ano. Você pode falar um pouco mais sobre essa música em particular?
O álbum já estava pronto e estávamos na mixagem. E às vezes, quando estou mixando eu fico entediado. Então, eu peguei algumas horas de folga e fiz essa música. Esta música era uma espécie de emenda, foi a última a ser feita e adicionada ao álbum. E isso sempre acontece, o fato de eu estar mixando, parar por um tempo e então escrever algo totalmente novo, às vezes essa composição se encaixa no álbum, porque isso não era originalmente parte do álbum, foi no último minuto. Sim, eu acho uma faixa divertida, eu gosto dessa música. É divertida.
E como é ser o dono de sua própria gravadora agora, ao invés de estar por trás de uma grande companhia, como isso se reflete na sua música?
Ah, é muito melhor, você sente vontade de gravar o tempo todo, quando você está numa grande companhia, se a coisa não estiver rolando da forma certa, é como estar num relacionamento ruim, com um amigo ou uma namorada. Apenas se torna mais e mais negativo. E agora com a meu próprio selo eu tenho mais liberdade, eu não posso falar por todos os grandes selos, devem existir alguns bons grandes selos por aí, mas a minha última companhia em que estive [Domino Records], não me entendia e eu acho que não sabia o suficiente sobre música. Eu realmente acho que eles não sabiam o suficiente sobre música para ter uma discussão sobre música. Então era assim… agora eu tenho a liberdade de fazer que eu quero. E eu faço música quando eu quero. Eu não preciso ser compreendido por todo mundo, é a minha empresa. No meu último contrato era importante que eles me entendessem e agora isso não importa mais, tudo que eu preciso é encontrar um time bom e encontrar a minha música.
Sobre esse “faça você mesmo”, o último videoclipe para a faixa “Sun Down” foi você quem dirigiu e conta com o Norman Reedus (o Daryl de The Walking Dead), como foi?
Foi bem divertido, era mais uma festa pra ser honesto contigo, porque o Norman é um baita sujeito e eu o conheci há muitos anos atrás. Então trabalhar com ele significa trabalhar com um amigo e eu estava um tanto nervoso, justamente por estar dirigindo, porque afinal ele é um grande ator. Eu estava nervoso por dirigir um grande ator. Mas fora isso era como trabalhar com um amigo. Então foi divertido de verdade.
Onde foi feito o vídeo?
Em Nova York.
No próximo ano o seu disco solo de estreia Maxinquaye vai fazer 20 anos, algum plano especial para celebrar a data?
Não. Eu não estou nem aí para isso. Na verdade, talvez a Universal faça alguma coisa, mas isso não tem nada a ver comigo porque eu não tenho mais os direitos do álbum. Eu vendi os meus direitos e [o disco] não significa mais nada para mim. E parece que… significou alguma coisa para as pessoas, alguns ainda se lembram, mas faz tanto tempo que não importa mais. Eu estou sempre fazendo o meu próximo álbum. Ele saiu em um tempo e uma época que aconteceu e deu certo, mas existem discos muito melhores que o Maxinquaye. Eu acho que o Blowback é melhor. Eu acho o False Idols melhor. Mas pelo fato de ter saído no tempo certo eu penso que isso ajudou o disco, o tempo e o lugar. Mas eu acho que já fiz coisa muito melhor, que eu não consigo mais me importar com esse disco.
Você tem essa carreira prolífica. Qual é o próximo passo? (além do próximo álbum)
Uma vez que eu termino um disco e ele foi mixado e masterizado, eu já estou trabalhando no meu próximo passo. Como o disco da Francesca*, que já está pronto. O álbum dela será lançado pela False Idols [gravadora de Tricky]. Eu ainda não a vi agora durante a turnê e no meu novo álbum, porque agora é a hora dela fazer o lance solo. Ela está no meu selo, nós terminamos o disco dela, está muito bom. Então agora eu terminei o álbum da Francesca e estou trabalhando no meu álbum. Então é como você falou, sim eu estou sempre seguindo em frente.
E você mantém um tumblr (http://tricky-adrianthaws.tumblr.com/) com fotos de 95 a 99, na época em que morou em Nova York.
Coisas de Nova York, sim. É uma espécie de diário para as pessoas olharem e ver todo esse passado, as músicas perdidas, que eu perdi. Mas estamos encontrando esse material, eu achei tanta música em Nova York, que ficou para trás, e agora o meu manager tá indo atrás disso, ele quer achar. Então algum dia, eu não sei quando, queremos juntar todo esse material que eu não lancei. Eu tenho músicas de todos os períodos [de carreira] que eu não lancei e vamos tentar seguir com isso no próximo ano ou no seguinte.
Você já colaborou com uma penca de gente legal na música, e muita gente boa já colaborou com você, como: PJ Harvey, Bjork e Massive Attack e todas essas cantoras maravilhosas (como a Martina e a Francesca). Na sua opinião, qual é a importância da colaboração na música?
Algumas vezes são apenas negócios, você faz pelos negócios, certo? Por exemplo aquela coisa com o [Red Hot] Chili Peppers**. Aquilo não tinha nada a ver comigo, a Hollywood Records queria que eu fizesse [a parceria], porque é bom para eles, aumenta à venda dos discos. Porém, alguém como a Harvey, ela é uma artista clássica, então algumas vezes pode ser apenas negócios, mas normalmente eu tenho que respeitar as pessoas antes. Eu tenho que respeitar o que elas fazem.
Qual é a melhor e a pior coisa na indústria da música?
A melhor coisa é ter um trabalho como este, como ter a sorte de poder viajar pelo mundo, fazer música, fazer algo que você ama. A pior coisa são as merdas. A indústria da música é apenas merda. É apenas sobre dinheiro e não é nada além do dinheiro. E como eles tomam posse destes novos artistas, este grande artista, eles se apoderam dele e… eu me lembro de uma entrevista do Kurt Cobain anos atrás, e ele disse que não existia nada no top 40 que fosse bom. Não há nada que vale a pena no top 40. E eles pensam que são grandes estrelas, como o Kanye West. Eu não trabalho com o Kanye West mesmo se ele me der um milhão de dólares. Eu não trabalho com o cara, ele é apenas todo esse ego, mas não tem nada que possa sustentar [o tamanho do ego]. Então essa é a pior parte, se você tiver dinheiro para investir em um artista, as pessoas irão comprá-lo, o que é meio triste.
Certo, e eu vejo você interagindo bastante com os fãs na internet, as redes sociais, como você vê essa comunicação direta entre fã e artista? Essas novas mídias.
Tem muita gente bacana que ouve a minha música, e eu recebo o carinho desse pessoal. Eu acho que eu recebo mais carinho do que a maioria dos artistas. Eu digo, as pessoas que me ouvem, e eu não gosto de chamá-los de fãs, mas as pessoas que me ouvem, elas sabem que o meu trabalho eu faço com o meu coração e alma. Acho que elas conseguem sentir isso. Então eu recebo todo esse amor, porque eu ofereço esse amor e elas sabem que eu não estou fingindo. Não estou tentando ser um super star, estou fazendo de coração. Então eu acho que é por isso que eu recebo toda essa atenção de volta.
Sim, você tem um jeito direto de lidar com eles. Você se coloca no mesmo nível sem tentar ser alguém especial. Eu acho isso bem mais honesto.
Isso, exatamente!
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Por fim, Tricky revelou planos de esticar a turnê até a América do Sul em 2015. Vamos torcer para que dê certo.
*Francesca Belmonte é cantora e participa dos dois últimos álbuns do Tricky, False Idols e Adrian Thaws. O seu disco solo de estreia é esperado para 2015.
**Em 2001, no álbum Blowback, Tricky gravou duas músicas com membros do Red Hot Chili Peppers.
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