A Bahia transpira cultura, das mais diversas vertentes. Berço de Gal Costa, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Raul Seixas e Novos Baianos, o estado não deixa a desejar. Foi no centro histórico de Salvador que surgiu outra promessa da música: Vivendo do Ócio. Formada em 2006, a banda se tornou uma das maiores representantes da cena alternativa brasileira substituindo os dias de ócio por muita música e trabalho duro. Misturando influências internacionais com o que há de melhor no Brasil, o Vivendo do Ócio caiu nas graças do público que estava sedento por uma banda de rock pra chamar de conterrânea. Dividindo os palcos com nomes como Lou Reed e Kaiser Chiefs (Festival Italia Wave), além de premiações de apostas musicais e um show inesquecível no festival Lollapalooza, o VdO consolidou seu nome e voltou os olhos do Brasil, novamente, para a Bahia menos previsível, produto de um caldeirão de gêneros e que se desafia artisticamente.
Com Selva Mundo, o grupo explora novos rumos de sua musicalidade, concebido totalmente independente, o conceito é de compartilhamento. Em todas as etapas, desde o processo de criação ao lançamento, o disco foi um trabalho de muitos, o que o torna único e expansivo. A produção é de Curumin e Fernando Sanches, com participações de Tiago Mago, Fabio Trummer, e Pepeu Gomes (depois de outro Novos Baianos, Dadi Carvalho ter participado do álbum de 2012), Selva Mundo significa mais um grande passo na carreira dos soteropolitanos. A banda veio para Fortaleza divulgar o novo trabalho e o local escolhido para o show foi o Órbita Bar, que ao longo de 30 anos se posiciona como a maior casa de rock da cidade.
Dizem que a gente nunca deve conhecer nossos heróis, pra evitar decepções, mas o Vivendo do Ócio cuspiu em cima desse clichê. Jajá Cardoso estava usando chinelos, bermuda, camiseta velha e estava super confortável, muito bem, obrigado. Davide estava reclamando que tinha dado um mal jeito nas costas, enquanto Dieguito foi colocar seu colete jeans e Luca conversava com a banda que abriria o show. Caras normais. Nada parecia forçado ou tinha aquela vibe de “ai, tenho que dar essa entrevista, que saco”. A recepção da banda foi positiva e acolhedora, ali eu já podia perceber que a entrevista iria trazer bons frutos, e trouxe. Foi mais uma conversa entre amigos do que outro compromisso na agenda. O Vivendo do Ócio é uma família, que por poucos minutos me permitiu conhecer a faceta por trás dos rockeiros de sucesso, que quebram paradigmas ao provar que você não precisa tocar na rádio pra poder viver de música.
505 Indie – Vamos falar sobre o novo trabalho de vocês, Selva Mundo. Ele é diferente porque foi financiado pelos próprios fãs. Como surgiu a ideia de fazer esse disco de forma totalmente independente?
Luca Bori – Esse álbum já veio de um conceito de compartilhamento, desde as primeiras músicas que nós começamos a criar em parceria com amigos como o Tadeu Meneghini (Vespas Mandarinas), Pepeu Gomes, que nós conhecemos há alguns anos atrás; Tiago Mago, Thiago Guerra (Fresno) – pessoas que frequentam nossa casa, que é quase como um centro cultural. A gente resolveu expandir esse compartilhamento pra fora da música, trazendo os fãs para fazer parte, com o crowdfunding e também na parte gráfica do cd.
Dieguito Reis – Como o Luca disse, foi um trabalho de muitas contribuições e a gente estava sempre aberto a isso, nós queríamos expandir o que éramos e com a participação de terceiros, queríamos chegar aonde não tínhamos chegado ainda. O primeiro pensamento foi de fazer o disco com crowdfunding porque já era bastante colaborativo na parte de composição, então decidimos compartilhar o lançamento e a produção também.
Alguns dos prêmios do crowdfunding, como a capa personalizada do cd, foram feitos por vocês. Vocês acham que isso aproximou o público da banda?
Davide Bori – Um dos prêmios era a capa handmade do Selva Mundo, e acho que isso aproxima sim os fãs da gente. A pessoa fica na pilha porque vai ter um item único e feito por nós. Alguns kits aproximaram ainda mais, como o show acústico que nós realizamos nas casas dos fãs. Esse foi um dos kits mais legais.
Luca Bori – Acho que esse foi o que mais aproximou, porque a gente ia fazer o som na casa da pessoa e os amigos e familiares estavam lá – e sempre era alguma ocasião especial: uma despedida, um aniversário e a gente se sentia muito feliz fazendo parte desses momentos dos fãs.
Dieguito Reis – Outro kit muito bacana foi o pocket show. Nós fazíamos um show pra umas 200 pessoas, meio que ensaiando as músicas novas que nós iríamos gravar, então a pessoa podia ouvir tudo antes mesmo do álbum ser lançado. Nós sempre fomos muito próximos do nosso público, depois dos shows a gente sempre desce pra trocar uma ideia com o pessoal, não pensando que nós temos que ir lá atender, mas a gente quer saber o que as pessoas estão ouvindo, saber o que eles acharam do show. Pra gente é importante ter esse feedback.
E como tem sido a recepção do Selva Mundo?
Luca Bori – Tá sendo positiva, nos últimos shows a gente já tem visto a galera cantando as músicas novas e nós acabamos vendo qual funciona mais ao vivo e isso vai ajudando a moldar o repertório.
Jajá Cardoso – Não só o público, como a crítica também. O que foi legal de ver é que todos concordaram que a gente cresceu musicalmente e nós estamos muito felizes porque as pessoas estão acompanhando a evolução da banda.
“Selva Mundo” é claramente mais maduro que “Nem Sempre Tão Normal” e “O Pensamento É um Ímã”. Quais foram as influências musicais que serviram de inspiração pra esse trabalho?
Luca Bori – No processo de criação desse disco a gente ouviu muita banda brasileira moderna, como Eddie, Curumin… Bandas atuais da cena alternativa brasileira, sem deixar de ouvir as coisas que a gente ouvia: Rock inglês, samba, bossa nova.
Jajá Cardoso – Eu gosto muito de blues africano e a gente vai misturando. O bacana do nosso som é que nós misturamos o que cada um curte, botamos no caldeirão e saí essa mistura doida.
Luca Bori – Eu acho que o que mudou na receita é que nós estamos colocando cada vez mais dendê no negócio. (Risos)
Jajá Cardoso – Foi bacana trabalhar com o Curumin porque ele nos ajudou a aflorar nossas raízes brasileiras. Aquelas sementinhas já estavam plantadas, nós sempre gostamos de música brasileira e viemos de uma cidade que transpira ritmo e isso já tá no nosso sangue.
Dieguito Reis – Foi muito bom trabalhar com o Curumin. Quando a gente anunciou que ia trabalhar com ele, muita gente ficou se perguntando o que ele tinha a ver com o Vivendo do Ócio, mas era isso que a gente queria: Sair da nossa zona de conforto. Nós acreditamos que toda vez que saímos da zona de conforto, conseguimos dar um passo à frente.
Eu vejo que a banda tem muito da Bahia dentro de si ainda, mesmo com vocês morando em São Paulo. Como vocês lidam com a saudade?
Luca Bori – A gente tá indo daqui dois dias pra Salvador e vamos ficar lá até o Carnaval. É nossa época de recuperar todo o tempero baiano.
Jajá Cardoso – Sentir saudade é bom também, é uma coisa que move a gente, traz coisas boas além daquela dorzinha que dá. É uma dor gostosa que a gente mata quando dá um abraço apertado nas nossas mães, por exemplo. A gente aprendeu a conviver com isso e fizemos músicas legais como “Nostalgia”, “Radioatividade” e “Salva!”. Nós sempre vamos representar nossas raízes, isso é muito importante pra gente.
Esse disco está muito mais brasileiro do que os trabalhos anteriores. É perceptível a menção às raízes baianas.
Davide Bori – Nós somos uma banda nova que está procurando a identidade, então é muito importante nos mantermos fiéis às nossas raízes.
Dieguito Reis – Desde o final de “O Pensamento é Um Ímã” a gente quebrou as barreiras da música colocando “O Mais Clichê” no disco, que é uma música que a gente tinha dúvida se encaixaria. Ela foi muito bem aceita, tanto que é sempre tocada nos nossos shows. Foi aí que a gente percebeu que ainda não tínhamos achado nossa identidade e a grande coisa boa é sempre estar procurando, não encontrá-la, mas buscar coisas novas, como em Selva Mundo, que trouxemos um tipo de rock diferente, resultado de muita pesquisa.
Luca Bori – Pra aumentar ainda mais a musicalidade brasileira, a gente convidou o Dadi Carvalho (Novos Baianos), que é um dos maiores baixistas do Brasil pra tocar conosco. Em “Nostalgia” nós acrescentamos um poema de Vinicius de Moraes, que é um escritor que adoramos. Então acho que, como o Diego disse, desde o final d’O Pensamento é Um Ímã nós estamos nessa onda.
Dieguito Reis – A gente só tinha medo de pular o muro. Nós pulamos e vamos continuar pulando vários outros.
O que vocês acham da cena musical brasileira atualmente?
Dieguito Reis – É muito bom o que tá rolando agora, as bandas estão se respeitando cada vez mais. Banda de metal se envolve com banda brega. Não tem mais esse lance de ficar só em um estilo, todo mundo se respeita e procura coisas novas. Acho que talvez isso devesse ter acontecido até antes, porque o Brasil é um lugar de diversidade e você ficar focando em uma coisa só não é positivo. O que tá rolando na música independente hoje é que tá todo mundo se misturando, o velho com o novo. A gente, em Selva Mundo, chamou Pepeu Gomes, Fabio Trummer e Tiago Mago e fizemos uma música. Duas gerações de músicos da Bahia e de Pernambuco se encontrando. Tem tanta coisa acontecendo no Brasil e isso é muito positivo.
Luca Bori – Eu acho que daqui há alguns anos as pessoas vão olhar pra trás e dizer que os anos ’10 tinha uma cena musical foda e as bandas eram animais.
Jajá Cardoso – É muito bom ver os estilos divergentes se misturando. A mistura é boa.
Davide Bori – As pessoas estão quebrando o preconceito musical e isso é muito importante, porque a arte não tem fronteiras.
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