Foram quase duas décadas à frente do Keane, até Tom Chaplin chegar ao momento de finalmente lançar o seu primeiro álbum solo, The Wave, que chega às lojas no próximo dia 14 de outubro, via Universal Music. “Eu sinto que depois de 20 anos juntos, eu estou no direito de me afastar e fazer o meu próprio trabalho, de estabelecer um novo desafio para mim”, afirma o músico.
Mesmo reconhecido como uma das melhores vozes da década passada, o tenor que equilibra técnica, sentimento e interpretação, ainda não tinha a experiência de assumir o posto de compositor principal, função desempenhada por Tim Rice-Oxley no Keane.
Após o hiato anunciado pela banda britânica em meados de 2013, Tom Chaplin comunicou publicamente que se lançaria solo. A ansiedade e a nova rotina desencadearam um retorno à toxicodependência, no ano de 2014. Retorno, pois em 2006 o cantor chegou a ser internado em clínica de reabilitação. A diferença é que agora, além do desafio do álbum por conta própria, tinha esposa e filha, o que tornou o processo ainda mais doloroso: “meu vício me levou cada vez mais e mais longe delas”, pondera o britânico.
Em entrevista honesta, por telefone, Tom conta todos os detalhes que o levaram até este disco, essencialmente pessoal, sobre declínio, recuperação, promessas e esperança. “Eu fiz muita terapia e passei muito tempo reparando os relacionamentos que estavam em crise, tanto com a minha família quanto comigo mesmo e as canções foram parte desta recuperação.”
Musicalmente, o álbum convence nos dois singles lançados até o momento, “Hardened Heart” e “Quicksand”. As canções possuem dois humores bem diferentes, mas ambas são construídas em torno dos refrões grandiosos e de sublimação, sem abandonar a essência harmônica que deu certo no Keane.
Por fim, a entrevista ainda revela sobre o relacionamento com seus companheiros de Keane, e o que pode ser do futuro da banda que vendeu mais de 11 milhões de discos, tendo emplacado 5 álbuns consecutivos no primeiro lugar das paradas britânicas, feito superado apenas por duas bandas de rock: Led Zeppelin (8) e The Beatles (7).
505 Indie – Vamos começar a entrevista pelo seu disco novo. Pode nos contar os primeiros passos em The Wave? Como começou?
Tom Chaplin – Bom, eu acho que, de certa forma, é uma ideia que começou há muito tempo atrás, com o Keane sempre me perguntavam em entrevistas: “Tom você lançaria um disco solo?” E foi uma coisa que eu sempre quis fazer, particularmente porque o Tim é o cara que escreve as músicas do Keane, então existia uma parte de mim que queria ver se eu poderia fazer: gravar um álbum e também expressar este meu lado. Então, sim, eu acho que a ideia começou há muito tempo atrás, mas sabe, entre desejar e de fato fazer é uma história completamente diferente. Não existia nada de concreto até o fim de 2013, quando eu disse para os outros caras que eu queria fazer um disco solo e que este seria o momento. Agora que nós já tínhamos feito os nossos melhores esforços com o Keane, eu disse: “Vamos fazer uma pausa para eu fazer este disco”. E o resto é história.
E depois de todos estes anos como parte do Keane, você dividiu com seus companheiros toda glória e todas as críticas que qualquer banda de sucesso enfrenta. Outro ponto, como você disse, a composição não era seu principal papel . Existiu uma pressão por tudo isso, como afetou você?
Eu sempre gostei de escrever canções, e bem no comecinho do Keane, antes da gente conseguir assinar com uma gravadora, eu escrevi canções para a banda e tocamos elas ao vivo, gravamos demos, mas… conforme nós ficamos mais próximos de 2004, as expectativas e medos começaram a surgir junto com o contrato da gravadora e todas estas coisas. Então, Tim subiu para outro nível nos termos de sua composição e, creio que neste momento, em respeito, eu só peguei o banco de trás. No entanto, era algo que eu sempre quis fazer e ao longo dos anos existiram canções que eu escrevi, mas nunca me joguei de fato nisso, ao menos da forma que eu precisaria para escrever um disco solo. Em 2014, eu comecei com todo o entusiasmo e energia para compor e escrevi bastante sozinho em casa, depois de um esforço inicial escrevendo, tinha entre 10 e 15 músicas, então comecei a estagnar criativamente. Ao mesmo tempo, o meu problema com as drogas reapareceu, eu sequei criativamente, e tudo isso se tornou um momento muito difícil que não terminou até o começo do ano passado, quando voltei a ficar bem e as canções começaram a surgir novamente. Criativamente falando, foi um ano muito rico e intenso, eu devo ter escrito umas 30 músicas, todo este esforço terminou o que compreendeu o álbum, por isso foi bem difícil no início, mas uma vez que eu peguei no tranco, foi apenas muito emocionante.
No começo de 2015, encontrei-me em uma encruzilhada, percebi que, ou continuava me drogando e destruiria a minha vida e relacionamentos, ou eu me recuperava.
Você comentou que teve problema com as drogas. Como isso atrapalhou e como inspirou a sua composição?
No momento que aconteceu me destruiu completamente como compositor, eu perdi contato com a parte interna que eu precisava ter contato para escrever canções, criativamente e emocionalmente, eu apenas estava muito exausto e entorpecido, de uma forma que não poderia escrever qualquer coisa. No começo de 2015, encontrei-me em uma encruzilhada, percebi que, ou continuava me drogando e destruiria a minha vida e relacionamentos, ou eu me recuperava. Então a história do disco é feita a partir de um ponto de reflexão, todas as canções foram escritas durante o ano passado, e foram escritas na perspectiva de ter me recuperado, mas algumas canções como: “Still Waiting”, “Hardened Heart”, “Worthless Words” são canções sobre ficar preso neste lugar horrível, e então “Hold On To Our Love”, “Quicksand” e “Bring the Rain” são canções sobre recuperar relacionamentos, vida e a sensação de rejuvenescimento, conforme o disco segue, canções como “The Wave” e “See it So Clear” versam sobre encontrar um sentimento de paz e felicidade em mim mesmo. Portanto, o disco conta uma história real, mais ou menos como um filme, de sair deste lugar muito obscuro para um lugar de resolução. Eu estou bem orgulhoso com a forma que o disco trata isso.
Então todas as canções vieram depois da recuperação?
Sim, todas vieram [quando eu estava] bem, elas foram meio que uma extensão do processo [de recuperação]. Eu fiz muita terapia e passei muito tempo reparando os relacionamentos que estavam em crise, tanto com a minha família quanto comigo mesmo, então as canções foram parte desta recuperação. Absolutamente.
Hardened Heart é uma música bem triste e bem pessoal, você acha que é a mais sombria no seu disco?
[Creio que seja] Still Waiting, pois trata-se de ficar resoluto naquele inferno que eu me encontrei em 2014. Já Hardened Heart é a faixa que vem na sequência, embora seja uma canção desoladora, existe também um fio de esperança conforme ela progride, é mais ou menos a ideia de “ok estou preso neste lugar horrível, mas eu sinto que estou me mexendo em direção a este lugar especial”, entende? De bons tempos no horizonte. Ela foi escrita como reflexão, no começo de 2015, quando eu sentia que ainda não tinha saído desta floresta, mas estava começando a mudança. Então é a música do começo de recuperação.
Entendo, e olhando as letras, eu consigo enxergar que a sua família teve um papel crucial na sua recuperação e no seu desejo de ficar saudável, é isso mesmo?
Sim, com certeza. Eu as decepcionei enormemente, e sabe, eu não… eu não posso dar desculpa nenhuma, meu vício me levou cada vez mais e mais longe delas. Eu cheguei ao ponto onde não poderia ter um relacionamento adequado com a minha jovem filha, o que deveria me deixar muito triste. Mas, por causa do lugar em que estava, eu não conseguia acessar o quão triste aquilo era para mim. O relacionamento com a minha esposa estava em farrapos, e ela me deu incontáveis ultimatos, até que chegou ao ponto onde ela me disse: “Eu preciso dizer que te amo e me importo, mas acho que não existe mais nada que eu possa fazer por você”. Isso foi realmente desesperador, acredito que foi um momento de compreensão, de que atingi o fundo do poço. Eu estava perdendo estas pessoas e uma das razões para voltar a ficar bem, foi para tê-las em minha vida novamente. Faixas como “Hold On To Our Love”, “Solid Gold” e, particularmente, “Quicksand“, que foi escrita para a minha filha, estas canções tratam sobre reparar estes relacionamentos e fazer promessas firmes para estas pessoas: eu posso ser confiável e estou aqui para elas de agora em diante. Portanto são canções escritas de maneira bem catártica, creio eu.
Você fez músicas que são construídas em torno de refrões grandiosos, e essa é a fórmula básica das melhores canções do Keane. Você acha que atingiu tudo que queria, sonoramente falando?
Eu diria que sim. Na verdade, eu fiquei um pouco surpreso, quando tive que recomeçar tudo novamente durante o ano passado. No começo, eu não tinha grandes expectativas e o que fiz foi me jogar no processo. Eu comecei a trabalhar com pessoas diferentes, um dos principais problemas que tive, foi porque eu estava tentando fazer tudo sozinho. Trabalhar com outros compositores e produtores me ajudou bastante, trouxe o melhor de mim. Foi incrivelmente surpreendente o quanto a música se tornou forte, olhando para trás, eu consigo ver que tenho essa força, e acredito que existia essa energia em mim por muitos anos. Eu estava desviando essa energia com a toxicodependência, quando pude colocar tudo para fora, no sentido de ser criativo, as músicas foram capazes de refletir toda esta liberação de energia. Eu fiquei surpreso, em termos de quanto estava me sentido bem com as músicas, elas parecem bem cativantes, melódicas, e fazem uma declaração. Eu me sinto como um compositor tocando em algo que já estava lá, como se eu tivesse a custódia de algum lugar de inspiração, de forma que não seja realmente eu, só estou tateando algum lugar que me deixa bem animado e bem modesto de poder fazer parte desta experiência.
Por um lado, eles estarão felizes que eu consegui “coçar esta coceira” de escrever um álbum. Mas, por outro lado, isto significa que o Keane está em banho-maria por enquanto. Eu acho que isto é uma frustração para eles agora.
Sim, e você acertou em cercar-se de texturas ricas e arranjos que valorizam o seu maior trunfo que é a voz. Algum colega do Keane já ouviu o disco e se eles ouviram, o que eles disseram?
Bem, tanto o Jesse quanto o Richard receberam uma cópia do álbum, eu ainda vou enviar uma cópia para o Tim… sabe, nós temos esse tipo de relacionamento estranho e sei que, em parte, eu estou completamente nervoso sobre o que ele vai achar, mas também meu relacionamento parece ser caracterizado por esta estranha inabilidade de me comunicar, porque, usualmente, nós não somos totalmente diretos um com o outro. Sendo assim, eu não estou nada surpreso que encontrei dificuldades de enviar uma cópia para ele, mas eu tenho certeza que ele irá ouvir em algum ponto e eu irei, sem dúvidas, valorizar muito o seu julgamento. Quanto ao Richard, ele foi bem positivo sobre as músicas, e isso foi adorável da parte dele, de escutar, sabe? Eu tenho um grande respeito pelo gosto musical dele, então é ótimo ter o retorno dele. Acho inevitável que os caras terão sentimentos conflituosos sobre eu estar fazendo isto. Por um lado, eles estarão felizes que eu consegui “coçar esta coceira” de escrever um álbum. Mas, por outro lado, isto significa que o Keane está em banho-maria por enquanto. Eu acho que isto é uma frustração para eles agora. Então cria estas emoções divididas, sabe? Com frequência sinto que, depois de 20 anos juntos, eu estou no direito de me afastar e fazer o meu próprio trabalho, de estabelecer um novo desafio para mim.
A partir de agora você se enxerga como um artista solo, criando a sua própria discografia, ou o Keane ainda é a sua prioridade?
Eu não sei dizer, estou curtindo este momento, um dos problemas que eu sempre tive na minha vida é que eu sempre achei difícil curtir o presente. Eu sempre olho para trás nos primórdios do Keane, de inseguranças e sonhos, tive muita dificuldade de processar aquela experiência no momento em que ela acontecia. Eu tenho profundo arrependimento de não ter curtido aquilo da forma que poderia ter curtido. Por isso, estou tentando focar em curtir este momento presente, que também me completa e me anima. Desculpe, mas não posso prever o futuro, eu não tenho a menor ideia do que irá acontecer. Promover este disco e fazer turnê pelo mundo é algo que irá me consumir, pelo menos, até o próximo ano. É um longo tempo, e ainda não decidi sobre a próxima semana… então (risos).
Tudo bem, então esperamos vê-lo no Brasil com esta turnê. Quais são as memórias sobre a sua última vinda ao país?
Nós tivemos um momento ótimo no Brasil, acho que a última vez que estivemos aí foi abrindo para o Maroon 5*, e fizemos shows enormes e sempre fomos acolhidos de forma generosa, eu sempre me sinto bem quando vou ao Brasil, na verdade, eu amo. Eu passeio como um turista, nós tivemos bons momentos no Rio, de curtir essa vida de praia, e eu lembro de ter passado momentos ótimos saindo para pescar. Existe aí uma atmosfera ótima, um tipo de luz dourada, especialmente no Rio, sempre amei as minhas experiências aí, então não vejo a hora de voltar, e eu sei que será um lugar, onde irei visitar com este disco solo. Espero que as pessoas sejam calorosas e acolhedoras comigo, como artista solo, da mesma forma que foram comigo no Keane.
* O show com o Maroon 5 aconteceu em 2012, a última vez do Keane no Brasil foi no ano seguinte, em turnê do álbum Strangeland.
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