Toda empresa tem pressão por resultados. Quando a empresa tem o capital aberto, a pressão é ainda maior a cada fechamento de trimestre. O Lollapalooza tem condições de se tornar o primeiro grande festival anual e duradouro de música no Brasil, mas a ganância e o imediatismo por resultados pode comprometer o seu futuro.
Todos os elementos negativos do Lollapalooza são os mesmos conhecidos desde o ano passado. Distância e a geografia do festival, tanto no exagerado tamanho do lugar que te obriga a caminhar 2.5km entre os palcos mais extremos, Onix e Axe, o que compromete significativamente a capacidade do público em atender aos shows, e também quanto a distância pra chegar até Interlagos.
Os preços também já estavam altos e este ano extrapolaram o limite do aceitável. A impressão que fica é que tentaram ganhar no consumo dentro de festival. Algumas melhorias aconteceram no campo operacional. As filas diminuíram significativamente, tanto de entrada, quanto de caixa e pra pegar comida/bebida. No entanto, alguns pontos de venda não estavam disponibilizando máquinas de cartão.
O Chef Stage ampliado acabou com o caos que aconteceu no ano passado, onde tiveram que controlar a entrada de pessoas. Aliás, o leque de possibilidades pra comer, é a melhor que eu já vi até hoje, em minha breve experiência de 14 anos frequentando festivais de músicas. Neste ponto, o festival é uma referência.
A nova posição do palco Axe, melhorou a alocação do público e cortou outro gargalo do ano passado, quando público e trânsito se encontravam. Os gargalos foram bastante reduzidos este ano. A ida para o palco Onix melhorou sensivelmente. Os banheiros e bares estavam muito afastados do palco em algumas situações, mas nada que comprometesse tão significativamente.
Mas vamos esmiuçar as questões mais importantes disso tudo, tanto as positivas, quanto as negativas.
LOLLAPALOOZA É UM MEGAFESTIVAL, E O ROCK NÃO REINA MAIS ABSOLUTO
Pegue os lineups dos Lollapalooza nos anos 90, que você verá um Coolio ali, um Willie Nelson aqui, um Moby lá e um Snoop Dogg acolá. Entretanto, sempre foi massivamente comandado por bandas de rock.
Um debate que o Lollapalooza Brasil amplificou este ano, é o da relevância do rock dentro da música. E se o Lolla errou ou acertou na escalação deste ano, eu acho que acertou em cheio.
Este é um debate que já é pauta há alguns anos nos EUA, principalmente com a explosão do Coachella, que saiu de aceitáveis 50 mil pessoas por dia em 2008, para claustrofóbicas 96.500 pessoas por dia, em dois finais de semanas seguidos, com ingressos esgotados em 20 minutos. Só não vende mais, porque a cidade de Indio não permite e a AEG Live sabe que está testando os próprios limites, sobre qual seria o topo do festival.
Se você pegar os lineups e comparar com a audiência, identificará uma relação direta na variedade/equilíbrio do lineup entre múltiplos gêneros e o crescimento de público. Nos anos que apontou mais tendência ao rock / indie, coisas menos populares, você vê o festival oscilando, como entre 2002 e 2008.
Um dos saltões aconteceu em 2010, com o comando do Jay-Z. Em 2011, outro salto quando colocaram o Kanye West acima de Strokes. O Coachella escancarou em 2012, que a dupla de djs do Swedish House Mafia levantava, desafiava, transgredia e traduzia a linguagem jovem com mais facilidade do que The Black Keys, headliner que tinha se apresentado poucos minutos antes, no mesmo palco, para uma menor e amuada platéia.
Aliás, foi o mesmo ano da explosiva e mundialmente repercutida apresentação de Dr. Dre, Snoop Dogg acompanhados por um holograma do Tupac. Em 2013, o festival teve o seu lineup mais criticado em muitos anos com: Blur e The Stone Roses. No entanto, demorou os mesmos 20 minutos pra vender todos os ingressos. O nome já estava consolidado, e lineup se torna um detalhe do festival.
Apesar de não impactar diretamente as vendas, eles ouviram os seus clientes e não correram riscos no ano seguinte, com Pharrell, Nas, Outkast, Carnage, Flume, Zedd, Kid Cudi, Skrillex, Fatboy Slim, Lana Del Rey, Dillon Francis, Chance the Rapper, Bonobo, ASAP Ferg. Em 2015 a lista do rap / eletrônico / pop continua forte.
E este ano, isso ficou bem claro também no Brasil. Nós sempre tivemos festivais que prezaram a clareza de gêneros, seja no falecido Tim Festival, Claro Que é Rock, Skol Beats ou Planeta Terra. Tínhamos bem definidos o público que cada um atacava. O SWU teve a chance de mudar isto, com atrações grandonas do rap, pop, indie, rock e eletrônico. Mas, no final, separou os gêneros por dia, e não teve tempo de vingar ou apontar alguma tendência. O Planeta Terra também já teve um insignificante palco eletrônico. Até o Rock in Rio que preza mais o entretenimento do que a música, sempre dividiu os gêneros entre os dias, ou seja, separando “tribos”.
O que eu tenho notado é que justamente o conceito de tribos está cada vez mais confuso, ao menos dentro desta massa de jovens frequentadores de festival. Eles não se apegam mais em gêneros e sim aos artistas que lhe agradam. Não me perguntem qual é a fórmula, mas certamente tem a ver com investimento em produção, música pra cima e de fácil/rápida conexão. O conceito do pop em si, não mudou, talvez algumas questões técnicas musicais, os beats pesados costumam dar certo, porque demandam atenção, o flow mais imediato e os drops são mais frequentes e repetitivos.
Outro detalhe que percebo é uma massa de novos artistas trabalhando hibridamente entre gêneros, porque, novamente, a coisa de tribo fica cada vez mais nebulosa. Artistas que têm incursionado por rap, R&B, eletrônico e rock têm conseguido fazer música relevante e se conectar com o que é contemporâneo. O Kendrick Lamar colocou até Jazz no último disco. Childish Gambino tocou com DOIS guitarristas, um deles fez um solo na frente do palco, que foi a atitude mais rocknroll do festival, depois dos solos de Jack White e Billy Corgan, vindo da banda de um rapper. Tem muita coisa acontecendo de maneira híbrida em todas as esferas, do indie ao pop.
O Lollapalooza começou a aplicar este conceito no Brasil. De buscar estas bandas e de abrir a variedade de gêneros acontecendo AO MESMO TEMPO, o que nenhum festival tinha feito de maneira tão emblemática por aqui.
Ninguém pode falar que o Lollapalooza não esteja casando com a linguagem dos jovens, ele está. Jovens que gostam de Calvin Harris e Tame Impala. Pharrell e Foster the People. The Kooks e Beyoncé. Arctic Monkeys e Jay-Z. Steve Aoki e Kasabian. AC/DC e Skrillex.
Motorhead e RuPaul. Ok, peguei pesado agora.
DJ e rapper também viraram rockstar. É assim que a banda está tocando, goste você ou não.
PRECISA MESMO DE MAIS GENTE?
O Lollapalooza está entre os maiores festivais de frequência/dia no mundo, atingindo em 2015 um público de 66 mil pessoas no sábado e 70 mil no domingo. Marcas que, na própria história, só ficaram atrás do dia do Foo Fighters e do sábado de 2014, que já passou da tampa, do limite. Um festival de música, depois de um certo ponto, se torna uma experiência drasticamente desagradável. Por mais que o festival preze por infraestrutura, não tem como segurar tanta gente num espaço e ser agradável.
Soma-se a isto, o cartel de bandas pingado no conta-gotas, e então temos uma equação que toda banda gringa mediana tem uma plateia que só seria alcançada por um headliner de um festival com mais atrações, e os headliners tem um público de final da liga indiana de críquete.
Bandas em miniaturas. O cidadão vai no festival pra assistir formigas tocando, a menos que fique plantado em um dos palcos. Feito que você se obriga a fazer pra não passar raiva de perder uma ou outra banda favorita, como eu fiz no Jack White, por exemplo.
E exatamente por isso, não fiquei nem um pouco descontente em ver St. Vincent brigando com Kasabian. Poderia ser com o Skrillex, é verdade, mas nada no mundo é perfeito. Esses embates precisam ocorrer com mais frequência em um festival com tanta gente.
Parece-me bem claro também que a estratégia de fazer o festival no autódromo – e com isso sacrificar o público – é com a intenção de colocar mais gente pra dentro do que conseguiram este ano.
Coachella e, mesmo o mais indie e recém-chegado ao hall de grandes festivais, Primavera Sound, já viraram casos de estudos, onde a média de público tem muito mais a ver com a consolidação/expansão da marca, que está ligado também ao cartel de artistas ao longo dos anos, mas fatalmente com a experiência como um todo. O mais importante para o Lollapalooza é conseguir sobreviver e nadar pro lado certo da praia. Se sobreviver, chegará lá. Do ponto de vista artístico, eles nadaram para o lado certo. Precisam pensar em como melhorar a experiência.
PREÇOS ABUSIVOS
A sensação é geral de que fomos extorquidos, em uma jogadinha pega-trouxa mais velha que andar pra trás, mas que funciona. Eles criaram uma moeda própria e estabeleceram o câmbio em R$ 2,50. A jogada funciona tanto que em certo momento no caixa, eu cometi um ato falho pedindo 8 reais em fichas, quando na verdade eu queria 8 mangos em fichas, a moça olhou pra minha cara, e então repetiu: “8 reais?” Só se ela rasgasse um mango em pedacinhos pra essa conta bater. Na hora que ela me respondeu com uma pergunta retórica, instantaneamente me dei conta da minha falha e que eram 8 mangos, ou 20 reais. Inconscientemente funciona. Mais ou menos a mesma coisa que acontece no exterior, se não ficar atento. Soma-se a isto, a tendência natural de se permitir à algumas extravagâncias já que é uma situação que não se vive todo dia, e então a receita do bar é exponenciada.
Megafestivais costumam sangrar a porcada sem dó, o que não significa que esteja certo. Mantenha as boas práticas, agregue outras e recicle os hábitos ruins Lollapalooza.
No próximo relato, vamos entrar de fato, no sábado e domingo de festival.
Ano passado terminei o festival com a sensação de que voltaria em 2015. Este ano a sensação é de dúvida e avaliação, se vale realmente a pena. Veremos o que virá na próxima edição.
Adianto para vocês que Jack White e Smashing Pumpkins fizeram tudo valer a pena. St. Vincent e Childish Gambino também colaboraram com a receita.
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