Lembro até hoje do dia que Fábio Massari apresentou no Lado B o videoclipe de “Why Does it Always Rain on Me?”. A letra entrou profundamente na cabeça do então adolescente de 17 anos, enquanto Fran Healy cantava quase afogado: “Why Does it always rain on me? Is it because I lied when I was seventeen?”. Depois dessa madrugada, para eu descobrir a banda e devorá-la do primeiro ao segundo disco e posteriormente continuar devorando com menos vontade, mas ainda assim devorando até o álbum de 2001, foi um passo natural.
A banda escocesa Travis é daquelas que provocaram uma grande revolução em muita gente que flertava entre os conterrâneos do Belle and Sebastian, o britpop, o lado mais chupeta do Sigur Rós ou toda a escola mais porrada do alternativo norte-americano, para os nascidos no início da década de 80 e fim dos anos 70. Com o álbum mais pesado da discografia, o de estreia Good Feeling, e o boom midíatico de The Man Who, Travis pode ser considerada a banda de 1999. A sucessora do britpop de Oasis, Blur, Pulp e Suede. Campeã de vendas em UK naquele ano, vencedora do BRIT Awards como melhor banda e melhor álbum em 2000, desbancando Gomez, Chemical Brothers, Stereophonics e Basement Jaxx.
O mais bem-sucedido álbum do Travis teve a produção de Nigel Godrich, produtor e sexto elemento do Radiohead.
The Invisible Band se manteve como um grande sucesso de vendas e Travis deixou de ser mainstream apenas no Reino Unido, para também conquistar a América, incluindo Brasil. “Side”, “Sing” e “Flowers in the Window” foram ouvidas nas rádios brasileiras e dentro da MTV deixaram de ser apresentadas na programação indie da casa, entrando nos TOP 10, DISK MTV da vida, que nesta época dava os seus últimos suspiros verdadeiramente musicais.
Época em que o Coldplay, Keane ou Snow Patrol começavam a traçar caminho semelhante, por esta linha do tempo a banda é conhecida como expoente do pós-britpop, já que musicalmente as diferenças são pequenas assim como o britpop é de seus antecessores. É a música britânica flertando com o pop e com o rock de maneira quase equidistante, em melodias açucaradas e, no caso do Travis, majoritariamente tristes, pelo menos as que deram mais certo.
The Invisible Band já denunciava o caráter do Travis que iria se confirmar nos 12 anos seguintes. Mesmo a banda estando no topo à época, o nome do disco se deve ao fato das músicas serem conhecidas, mas não os membros da banda. E Fran Healy sempre teve essa personalidade low profile, de não ser um personagem da mídia, de não criar fatos, de não estar com a cara nos jornais e tv, exceto pelas músicas.
12 Memories (2003) é o álbum onde, pela primeira vez a banda abandonou as preocupações íntimas para dar lugar para preocupações coletivas em algumas faixas. Até hoje é conhecido como o álbum mais dark da banda, ponto que fez muita gente se afastar, já que o forte do Travis para os seus apreciadores eram as letras e a interpretação de Fran Healy. Com um modo de compor essencialmente melódico e com letras fortes, ele sempre foi admirado no meio musical, inclusive Chris Martin disse certa vez que se considera um Fran Healy piorado.
As gravações de estúdio também sempre tiveram essa preocupação ao destacar a voz nos momentos mais importantes, um exercício bem-sucedido de canções intimistas e viscerais, que passa pela forma da banda compor, o talento de Healy de interpretar canções e todo o processo de produção e mixagem dos álbuns. Neste disco as produções ficaram mais aguadas, o produto mais genérico. Midiaticamente o Travis começava a ficar para trás dos seus irmãos mais novos.
Antes desse disco ser gravado aconteceu também um acidente grave com o baterista Neil Primrose durante o festival Eurockéennes na França. Ele bateu a cabeça no fundo de uma piscina rasa, após mergulhar e fraturou algumas vértebras. Nesta época a banda fez um intervalo em suas atividades e anos depois Healy comentou que o triste episódio colaborou para a banda se reavaliar e dar sequência nas atividades como um grupo mais unido. Ele disse:
“Quando se tem muito sucesso você passa a tratar seu amigos como colegas de profissão.”
Após 12 Memories (2003), ainda vieram: The Boy with No Name (2007) e Ode to J. Smith (2008).
Destes, The Boy With No Name é o melhor.
E então um hiato de 5 anos, até o disco lançado em agosto desse ano, Where You Stand, e que pode ser considerado como o melhor da banda depois da trinca inicial.
O Travis perdeu um pouco da sua popularidade depois do terceiro disco, um pouco pelo fenômeno mais pegado do resgate do indie rock, com Franz Ferdinand, The Libertines e Arctic Monkeys. Coldplay partiu para canções mais pra cima, misturando ainda mais elementos, se tornou mais festivo ou como alguns gostam de dizer: coxinha, farofa. Mesmo com a crítica dos detratores o fato é que deu certo, no quesito relevância. Travis continuou sendo o que sempre foi, fazendo mais do mesmo de forma menos inspirada. Perdeu espaço, mas nunca deixou de ser relevante e uma marca do pop rock melódico dos párias da rainha.
Travis sintetiza o melhor do pop britânico, movimento iniciado por aquela banda lá de Liverpool nos anos 60 e que nunca foi igualada. Foi um elo de gerações e nesta fase compôs suas melhores músicas.
Uma banda que, no último disco lançado este ano, ainda provou que pode proporcionar boas novidades em um gênero atemporal.
Particularmente, é a minha segunda maior expectativa no festival Planeta Terra.
Para você chegar pronto no show, segue a sempre bem-vinda listinha.
AS 15 MELHORES MÚSICAS
1. Writing To Reach You (do álbum The Man Who de 1999)
Fran Healy admitiu que tirou os acordes de Wonderwall para esta música, e a frase “and what’s a wonderwall, anyway?” é a referência proposital disso. A referência ficou muito mais conhecida como uma ironia para quem procurava novas alternativas após o britpop.
2. The Line is Fine (do álbum Good Feeling de 1997)
É o meu vocal favorito de Fran Healy, berrado, coisa de moleque. Se Bernard tem alegria nas pernas, como gosta de dizer o “professor Felipão”, Fran Healy aqui tem alegria na voz.
3. Why Does it Always Rain on Me? (do álbum The Man Who de 1999)
Essa dispensa comentários. Todo loser tem um bem-querer de vida por esta faixa.
4. Turn (do álbum The Man Who de 1999)
“We’ll never know unless we grow
There’s so much world outside the door”
5. Driftwood (do álbum The Man Who de 1999)
Essa faixa fecha o quarteto fantástico de The Man Who.
6. Side (do álbum The Invisible Band de 2001)
“the grass is always greener on the otherside babys got a new car that you wanna drive, but the time is running out and you wanna stay alive, we all live under the same sky we all will live we all will die, theres no wrong the circle only has one side”
Direta, ecoada, com efeitos que soaram como novidades pelo o que o Travis tinha feito até o momento. Grande canção.
7. Mother (do álbum Where You Stand de 2013)
Por Fran Healy: “Mother é a primeira [no álbum], porque eu sempre achei que soava como uma grande canção de começo para um show, e nós nunca tivemos realmente uma dessas. Por isso, posiciona o canhão nessa direção, então você dispara – o piano decola em cerca de três minutos e, para mim, o álbum vai começar com o piano solo e assim permanece no ar até dez minutos para descer, na faixa ‘Boxes’[penúltima música do álbum], e então você está taxiando na pista quando você chega em ‘The Big Screen’ [última música do álbum].”
8. Selfish Jean (do álbum The Boy With No Name de 2007)
O esquema de bateria tirado de Lust for Life do Iggy Pop, a guitarra chorosa e o vocal interpretativo de Healy. Combo que deu certo.
9. More Than Us (do álbum Good Feeling de 1997)
Triste, triste e triste. Visceral: “And everybody calls it love, but I’m not really sure if this is love….. At all…….. Not anymore”
10. Closer (do álbum The Boy With No Name de 2007)
Refrão marcante.
11. I Love You Anyways (do álbum Good Feeling de 1997)
12. Reminder (do álbum Where You Stand, de 2013)
13. Something Anything (do álbum Ode to J. Smith, de 2003)
14. All I Want To Do Is Rock (do álbum Good Feeling de 1997)
15. Love Will Come Through (do álbum 12 Memories, de 2003)
DISCOS – DO PIOR AO MELHOR
7. 12 MEMORIES (2003)
Considerado o álbum mais obscuro do Travis até o presente, o que não significa sucesso nessa tentativa. Algumas faixas misturam elementos de gêneros que a banda até o momento não tinha trabalhado, em outros momentos é um cover de si mesma. Em suma, é um álbum que peca pela falta de unidade, composições aguadas e faixas pouco inspiradas. As vozes que encerram “Peace the Fuck Out” foram retiradas de gritos da torcida do Celtic e Fulham.
6. ODE TO J. SMITH (2008)
A segunda vez do Travis na América do Sul, desta vez com shows no Peru e Venezuela, em companhia do R.E.M., novamente o grupo não veio ao Brasil. É o disco aonde o Travis arriscou mais até hoje, mais do que 12 Memories inclusive, conquistou os fãs e boa parte da crítica. No entanto, comercialmente, não teve o mesmo sucesso. Produzido por Emery Dobyns.
5. THE BOY WITH NO NAME (2007)
Foi na turnê deste álbum que o Travis veio pela primeira vez para a América do Sul, tocando na Argentina e Chile. A banda não veio ao Brasil na oportunidade. Produzido pela banda e Nigel Godrich.
4. WHERE YOU STAND (2013)
Produzido por Michael Ilbert. Último álbum do Travis, lançado em agosto de 2013. O lançamento liquidou um hiato de 5 anos e nitidamente a pausa fez bem para a criatividade do grupo. Algumas faixas, como “Mother” e “Reminder” representam novidades na forma pra cima que o arranjo é levado. O teclado assume um protagonismo muito bem-vindo. Esse ineditismo que transparece em algumas faixas e outras mais-do-mesmo em alto nível faz deste disco, a melhor surpresa desde 2001.
3. THE INVISIBLE BAND (2001)
O título se refere ao fato da pegada da banda, sobre as músicas serem mais importante do que a imagem. As músicas são conhecidas por execução extensiva nas rádios, mas pouca gente conhecia a imagem dos músicos. Produzido por Nigel Godrich (Radiohead, Atoms for Peace). Se The Man Who tornou o Travis popular em seu território, The Invisible Band foi o responsável por consolidar a popularidade internacional, principalmente nos países da América.
2. GOOD FEELING (1997)
Disco produzido por Steve Lilywhite, até hoje considerado aquele com o som mais rock’n’roll até o presente.
1. THE MAN WHO (1999)
Responsável por estourar o Travis, o álbum mais vendido do Reino Unido em 1999, as molecagens do álbum de estreia deram lugar para um disco muito próximo da britpop, pode ser considerado o álbum que preencheu a lacuna pós-britpop, vencedor do BRIT AWARDS. O título foi inspirado no livro The Man Who Mistook His Wife for a Hat de Oliver Sacks. Produzido por Nigel Godrich (Radiohead, Atoms for Peace).
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