Noite fria no dia 30 de novembro, em plena primavera curitibana, onde Black Sabbath se apresentou na Pedreira Paulo Leminski. Tão fria quanto a noite, foi a sensação de despedida deixada pelo último ciclo de shows da banda em toda sua história, de quase 50 anos.
O clima de nostalgia dominou a plateia que variava entre os 18 e 70 anos de idade. Talvez este seja um dos ingredientes mais legais dos shows das antológicas bandas de rock clássico, a amplitude etária dos fãs. Ao contrário da banda, o público não esteve alheia ao trágico acidente da Chapecoense. Algumas bandeiras e camisas do clube alviverde, contrastavam com o predominantemente preto, típico das plateias de heavy metal.
E, talvez este seja o maior problema do show. O Black Sabbath não é obrigado a homenagear ninguém, aliás é preferível que não o faça, se for pra ser algo protocolar e oportunista, mas o show foi tão reto, tão roteirizado, tão mais um show de uma última turnê, tão 51 minutos do segundo tempo, que não dá pra deixar de notar este fato.
Poderia sair um pouco do planejado, surpreender no setlist, mas é compreensível que não o tenham feito. Estão cansados e está chegando a hora de botar um ponto final nesta história tão bonita. (E nem tão bonita assim, nos discos da segunda metade da década 80 e começo da 90, com exceção de Dehumanizer).
Sabe aquela sensação de assistir a um filme que você achou maravilhoso quando era criança, e depois reviu quando adulto e sente que perdeu boa parte da magia? É exatamente esta a sensação. Não funcionou. Quer dizer, funcionou. Em partes.
Funcionou
A banda entregou um show de ótima qualidade sonora, ou ter a oportunidade de ver os fraseados de Tony Iommi com o detalhe do dedo bicolor no telão é algo impagável. Geezer Butler ainda entrega um baixo vigoroso capaz de tremer a pedreira. Ozzy continua o madman de olhar soturno, sabendo usar a sombra ao seu favor. A voz dele ainda funciona. A única diferença – uma grande diferença – é que o Ozzy com sua velha banda é bem mais comedido, em termos de presença de palco. Ele não corre de um lado pro outro e raramente provoca a plateia. Parece existir um respeito muito grande de Ozzy por seus companheiros, e ele respeita essa dinâmica de banda, sabe que não combina com estes caras. Ali… ele é um no meio de três, não é o dono da banda. Se puder chamar alguém de dono da banda, seria Tony Iommi que esteve em todos os discos, que gravou com Ozzy, Dio, Ian Gillan, Glenn Hughes e o nada incrível Tony Martin.
Ozzy sabe disto, e sabe qual é o espaço dele no palco.
O show começou cavernoso, com a primeira faixa do primeiro álbum de carreira da banda: Black Sabbath. Poucas faixas de abertura são tão emblemáticas sobre apresentar uma banda, como Black Sabbath apresenta o Black Sabbath. As notas obscuras, o grito soturno de Ozzy, algo de diferente estava acontecendo na música. Não só o DNA de uma banda, mas de todo um gênero foram recepcionados por esta música.
A banda seguiu numa crescente cronológica dos álbuns até a quinta música. Veio Fairies Wear Boots, do Paranoid (70), After Forever e Into the Void, do Master of Reality (71) e Snowblind, do Vol. 4 (72). Assim encerra o primeiro ato. Ozzy conversa com a plateia e apresenta os seus colegas de banda.
Protocolar e ao mesmo tempo mítico.
Consegue perceber a dualidade de sentimentos que este show provocou?
E então vamos para o segundo ato e a plateia vai junto, quando reconhece os acordes iniciais de War Pigs… e, então, o tis tis tis tis do chimbal é acompanhado por um grito de arrepiar da multidão, que lotou a Pedreira. Não tem como não se emocionar e se contagiar neste momento.
É histórico.
E o público quer beber cada gota deste suco, pela última vez. Sem dúvidas, é da plateia o maior mérito por tornar esta noite, uma noite inesquecível. O Black Sabbath só precisava estar lá e executar as músicas. E eles cumpriram com a parte deles no contrato.
Não demorou muito pra entrar N.I.B., outro hit dos ingleses e por ozzmosis uma favorita da galera. A faixa é precedida por Bassically, a intro que Mr. Geezer Butler faz tremer o pulmão de cada presente. Dedão largado no baixo. A faixa é terminada por um longo espancamento de bateria do senhor Tommy Tufelos, substituto de Bill Ward, e companheiro de Ozzy Osbourne solo nesta década. A galera de Curitiba grita loucamente pelo solo de bateria, é incrível o comprometimento que o curitibano tem com o rock clássico e heavy metal. Era esperado também que o mais jovem da banda desse um descanso para os senhores, que bravamente voltariam para terminar o show.
Na sequência veio só caminhão de hits: Iron Man, Dirty Women e Children of the Grave. Só música que representa uma tonelada de coisas na vida de muitos dos que estavam lá. E, por fim, Paranoid, que fez todo mundo pular, cantar e lavar a alma junto com a garoa fina.
Acabou. Mesmo que não seja um show de uma banda no auge de sua carreira. Ozzy solo, assistido no ano passado, parece mais banda do que Black Sabbath, neste atual momento. Mas, mesmo assim, valeu pelo repertório, valeu pela qualidade e é necessário reforçar que estes senhores entregaram com bravura e com respeito ao público. Valeu para se lembrar e poder dizer: eu vi Black Sabbath ao vivo.
Ainda no final, a plateia, enquanto deixava a Pedreira, brevemente entoou o grito: “vamo vamo Chape”.
A noite estava completa.
A plateia foi algo tão legal neste show que mereceu um capítulo à parte. LEIA AQUI.
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