O primeiro dia de Lollapalooza surgiu nublado com a dúvida se a chuva que castigou São Paulo durante a semana voltaria a acontecer no sábado. Vendedores de capa de chuva desde estações centrais do metrô, e depois no trem a partir de Pinheiros. Por volta de 13h, o fluxo de pessoas indo ao festival já era enorme, indicando que teríamos um dia de festival lotado pela frente, o que viria a se confirmar mais tarde. O festival começava pelo palco Axe, onde o blues rock dançante e atualizado do Vintage Trouble já recebia um público muito bom para o horário. Como primeiro palco de quem entra no Lolla, é natural que as pessoas ficassem por ali, nota-se que a maioria estava tendo um primeiro contato – muito receptivo, é verdade – com o som dos caras. Nos arredores do palco, os caixas já tinham fila considerável por volta das 14h15. O que não aconteceria com o palco seguinte, bem tranquilo ainda de público, onde conseguimos assistir um trecho do show do Matanza, em seu abrasileiramento de country, com hardcore e metal, comandado pelos vocais orientados ao gutural de Jimmy London, o Gimli (Senhor dos Anéis) de estatura élfica.
LEIA MAIS: DOMINGO NO LOLLAPALOOZA BRASIL 2016
LEIA MAIS: BALANÇO GERAL DO LOLLAPALOOZA BRASIL 2016
Carregado de energia, distorção e um discurso afinado de tolerância, The Joy Formidable ganha o público em Interlagos
Às 15h30, pontualmente, o trio do País de Gales, The Joy Formidable entrou no palco Axe, comandado por Ritzy Bryan. A líder da banda fez valer o rótulo de power trio energético e de conteúdo. Entre as canções Bryan criou contato com o público falando sobre empoderamento para quem se sente oprimido ou que não se encaixa, por outros momentos arriscando algumas palavras em português, brincava com a plateia e entre eles. O show seguiu com uma reação mais morna por parte do público, o que é natural, já que boa parte não conhecia as músicas, com alguns fãs, predominantemente da plateia feminina, gritando pela vocalista. Os momentos de maior excitação ficaram por conta de “Cradle” e, principalmente, “Whirring” que até hoje continua sendo a grande faixa do Joy Formidable, em uma longa e catártica barulheira sem fim, que tira qualquer um do estado de letargia. O trio continua com um final de show incomparável, mas ainda falta ganhar cancha no meio do show. O baterista seria o segundo destaque em termos de energia, o que mantém o público entretido com a apresentação. Mas, de qualquer forma, dever cumprido.
Bad Religion: O vigor dos californianos ainda convence e faz o melhor anos 90 do fim de semana
Talvez a única banda deste lineup que tem camiseta em toda loja da Galeria do Rock, os veteranos do Bad Religion alimentaram os corações saudosistas do festival. A banda que fez mais sucesso entre o fim dos anos 80 e começo dos anos 90, com um reavivamento do punk e explosão do hardcore melódico, ainda consegue botar um bom show no palco, o Dr. Graffin consegue levantar uma plateia, tocando uma atrás da outra, mostrando gás e vigor. Famoso por seus temas políticos, ainda mais relevantes neste momento, a banda atingiu em cheio o público com sucessos antigos como: “21st Century (Digital Boy) “, “Infected”, “Fuck Armageddon… This Is Hell”, “Generator”, “You Are (The Government)”, “Punk Rock Song” e “American Jesus”.
Of Monsters and Men: Sobre os hits e a sobriedade do novo álbum
Hora de atravessar o festival inteiro, direto para o palco Onix, onde em alguns minutos se apresentaria o Of Monsters and Men, a primeira grande multidão do festival. Com uma mistura de fofurice e folk, a banda é a declaração com firma reconhecida que a música da Islândia, não é necessariamente exótica, e aqui pode ser pop até demais. Apesar disso, é preciso ressaltar que a banda tem um conjunto de metais, sacada percursiva e dualidade de harmonia vocal que torna o som interessante em alguns momentos. Não me parece um show tão indicado para grandes multidões a céu aberto. Parece funcionar melhor em palcos menores, e também por esta essência adocicada, pode desagradar alguns paladares mais sóbrios. Mas é uma banda onde nitidamente você enxerga o processo de construção sonora acontecendo baseado em alguns pilares. As baladas do novo disco, como “Hunger” são uma prova desta sobriedade, introspecção e busca de novas referências para a banda, aquela coisa de evolução e maturidade mesmo. É possível que o OMAN consiga internalizar estes sentimentos em seus shows fechados, no Onix, o sentimento foi mais de dispersão. No entanto, nem todas as músicas do novo disco passaram em branco, “Crystals” e “Empire” já tem uma resposta muito positiva. “Wolves Without Teeth” alcança este sentimento de interiorização que a banda tentou colocar no álbum, ou seja, a balada bonita que o público abraçou. Claro que, em outro patamar, se encontra as faixas do disco anterior. “King and Lionheart”, “Dirty Paws” e, principalmente, “Little Talks”, os maiores sucessos, que arrancaram coros em uníssono de um público incalculável.
Tame Impala faz o melhor show do sábado
“Little Talks” já tocava bem distante da gente quando nos dirigimos para o Tame Impala. Festival tem muito disso, é preciso fazer escolhas e começar a se mexer antes da multidão – e Tame Impala era um show que precisava ser assistido do começo ao fim de uma boa posição. A banda emplacou o último disco em quarto lugar na nossa lista dos melhores de 2015 e Lonerism alcançou terceiro lugar na lista de 2012. Innerspeaker também ficaria entre os 10 primeiros de 2010, caso o site já existisse. Kevin Parker e cia, representam o trabalho atual mais aguardado nos palcos, neste fim de semana, ainda que Alabama Shakes também tenha conquistado posição em nossas listas com seus dois discos, ou que Noel Gallagher seja ídolo, e Jack U faz suruba sonora e visual que desejamos para completar a festa. É no Tame Impala que se concentrava a maior experiência… artística, na falta de uma definição melhor. E corresponderam. O show foi aberto logo com “Let it Happen”, e tudo aquilo que eu falei sobre o Of Monsters and Men que tentou em seu último disco provocar sentimentos de interiorização, o Tame Impala faz sem muito esforço. A música obtém mais sucesso em ser hipnótica do que em ser extrovertida. Logo na sequência veio a ótima “Mind Mischief”. O primeiro maior momento de excitação aconteceu em “Elephant”, repetiu-se em “The Less I Know the Better”. Se você gosta ou não, é uma questão localizada. O fato é que, Tame Impala está entre as 3 ou 4 bandas mais relevantes da atualidade. É aquela banda que redefine gênero, e uma legião de outras bandas seguem, que termina o show deixando todos com a sensação que faltou tocar muita música. Ao contrário de Florence, onde parece que sobrou música, que o repertório poderia ter sido condensado, no caso do Tame Impala, a sensação é que foi pouco.
Principalmente do primeiro disco, que tornou-se quase uma memória distante, se não fosse por “Alter Ego“. Era a banda pro headliner. Visualmente o palco é uma insanidade só, com iluminação indireta e um telão projetando imagens psicodélicas de um colorido intenso. Criando uma dificuldade tremenda para um fotógrafo não credenciado (eu), no meio da multidão, tirar uma boa foto do show. Peço desculpas. Canhões de papel de festa completaram a boa vibe do show, numa trinca mortal de “Apocalypse Dreams”, “Feels Like We Only Go Backwards” e “New Person, Same Old Mistakes”. A melhor trinca de todo o festival. O dia podia acabar ali, o ingresso já estava justificado.
Die Antwoord: a saturação e a broderagem do mesmo hemisfério
Mas ainda fomos mais mortos do que vivos acompanhar a chapação de eletrônico com rap sul-africano do Die Antwoord, o som de sentimentos múltiplos, incomoda ao mesmo tempo que te faz dançar, irrita e incita. É impossível ficar impassível. Ou você vai sair dali ou vai prestar atenção. Ninja e Yolandi reverenciaram o Brasil e falaram por diversas vezes o quanto estavam satisfeitos em tocar no país pela primeira vez. Ninja, inclusive, carregou a bandeira nacional por boa parte do show, além de ter mergulhado e cuspido água na galera. Um show frito e saturado, com os seus maiores momentos em “I Finky U Freak” e “Enter the Ninja”, que fechou o show.
Marina and the Diamonds: <3
E ainda teve Marinão and the Diamonds, que foi impecável. É mais um caso de artista do pop, que prova seu talento ao crescer ainda mais suas músicas quando faz ao vivo. Sexy, exuberante, performática e dona de uma amplitude vocal incrível, Marina manteve os olhos do público grudados nela. Em uma ideia bem interessante, ela segmentou o show em três atos, um de cada disco, onde a configuração de telão do palco mudava a cada música, e Marina trocava de roupa a cada novo disco. Os tons das luzes do palco também predominaram de acordo com as roupas da cantora. Simples… “simples” né, porque uma operação de palco destas nunca é simples, mas simples se comparada com suas párias na música. Simples, mas muito bem feito.
Saímos antes do fim do último ato, as pernas e os pés pediam clemência, horrorizados com os abusos sofridos ao longo do dia. Os pedidos foram ouvidos, e o último estirão de caminhada até o trem, troca de estação e etc, seria providenciado.
O saldo sonoro de sábado
A sensação é que o sábado de Lollapalooza não ficou entre os melhores dias do festival. Exceto o show do Tame Impala, mais nada causou grande furor. Foi tudo com muita gente, muita caminhada e muita caminhada pra pouco show. Marina and the Diamonds, Bad Religion, The Joy Formidable, Of Monsters and Men e Die Antwoord vieram em seguida como os melhores shows do dia. A ignorada no Eagles of Death Metal foi uma decisão de festival, Joy Formidable pareceu mais exótico e com maior chance de surpreender, mesmo que os americanos estejam mais envoltos de mídia ultimamente, justamente pelo triste acontecido em Paris. É uma banda que poucas vezes saiu do mais ou menos, e daquele rock cheio de estereótipos.
O outro pulo, aconteceu pela mesma razão, Die Antwoord é uma opção com maior capacidade de surpreender do que o desencontrado Mumford and Sons que infelizmente não grava uma música boa faz algum tempo, e as músicas boas, tocam exatamente do mesmo jeito, inclusive as pausas vocais de refrão, que tocavam lá no começo de carreira.
Por fim, Marina ao invés de Eminem, mesmo que não exista muita afinidade com ambos, a sensação é de ter saído satisfeito com a escolha.
Amanhã falaremos do Domingo, um dia muito mais empolgante, onde três shows valeram o ingresso.
You might also like
More from Lollapalooza Brasil // Cobertura 505 Indie
Lollapalooza Brasil 2018: festival encontra a conta do equilíbrio com shows memoráveis de LCD Soundsystem e David Byrne
Introdução, Spoon, LCD Soundsystem, Mac DeMarco, Tash Sultana, Liniker e The National por Flavio Testa Oh Wonder, Chance the Rapper, .Anderson …
DAVID BYRNE: o gigante do Lollapalooza Brasil 2018
https://youtu.be/07G4xhSefuI Ele provavelmente estará descalço. Tão confortável como se estivesse em casa. Banda? Provavelmente esperando seu momento de entrar depois que David …
Guia Alternativo do Lollapalooza Brasil 2018
Esqueçam os Headliners (ou não), preparem as cabeças balançantes e venha experimentar diferentes sonoridades com o nosso Guia Alternativo do …