Resolvi fazer uma lista das melhores leituras do ano, não necessariamente de livros lançados em 2014, mas que tornaram-se tão fortes e relevantes para a vida de um leitor. Acho interessante se cada um a cada final de ano fizesse essa análise. É bem provável que todo ano você leia um livro que pode se tornar fundamental para a vida. Os meus deste ano foram os seguintes:
A vida privada das árvores – Alejandro Zambra
É um livro bem angustiante, mas de formas muito bonitas. Júlian é um escritor que espera a volta da mulher, Verônica. Junto da enteada ele se fecha num mundo de composições de futuros possíveis, contando para a garota histórias de árvores, enquanto a mãe não chega. O que mais marca na prosa de Zambra é a concisão, sem ser supérfluo, ele consegue ter uma escrita afinada, certeira, muitas vezes seca, mas de um sentimentalismo desigual. Um livro bonito, marcado pela distância e ausência, para uma leitura de final de semana. “Seria preferível fechar os livros, fechar os livros é enfrentar, sem mais, não a vida, que é muito grande, mas a frágil armadura do presente. … o livro segue em frente até que ela volte.”
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Assim na terra – Luiz Sérgio Metz
Na minha opinião, Lavoura arcaica (Raduan Nassar) é o livro brasileiro mais importante dos últimos (quase) 40 anos. Porém, este ano me caiu às mãos este romance do escritor gaúcho. O que me fez relevar um pouco a importância do livro de Raduan, ainda assim meu favorito. Mas Assim na terra é de uma beleza tão profunda e extraordinária. Inspirado no verso T.S. Eliot “no meu começo está meu fim e no meu fim o meu começo”, é uma viagem para o autoconhecimento do personagem. Permeado por uma prosa poética e rugosa (daí a “comparação” com Lavoura), Assim na terra, faz com que qualquer leitor tenha a imaginação de um dia querer fazer esta viagem como a do personagem, a solidão para traçar toda a saudade, as memórias vividas, o sentimento da falta dos lugares. Das frases que mais me marcaram foi esta: “Viver é uma preparação para a saudade”.
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O amor a solidão – André Comte-Sponville
Um belo livro de filosofia, escrito por um filósofo, mas de uma maneira tão acessível que faz a filosofia parecer sua amiga, da maneira como ela deve ser. É um livro de pacientes/amigos que entrevistam este filósofo francês. Inescusável para a vida. “Quer a verdade? A filosofia não tem a menor importância. Os romances não têm a menor importância. Só a amizade conta; só o amor conta. Digamos melhor: só o amor e a solidão contam. Melhor ainda: só a vida conta. Os livros fazem parte dela, é claro, e é isso que os salva. Mas a vida assim continua… Os livros fazem parte dela; como poderiam fazer as vezes dela? No máximo podem dizer a verdade do que vivemos, essa verdade que não está nos livros ou que só pode estar neles porque está antes em nossa vida.”
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Maus – Art Spiegelman
Um livro de HQ perturbador, necessário para entendermos o quão distante o ser humano pode chegar a ser cruel. Doloroso, uma angústia que é capaz de deixar o coração pesado. É a história de Vladek Spiegelman, um judeu que sobreviveu a Auschwitz e é contada pelo próprio filho. Um livro para dar de presente em qualquer data, para qualquer amante da história. Um livro sobre o amor e a força da sobrevivência por causa deste amor. Uma obra-prima das HQs.
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A desumanização – Valter Hugo Mãe
Depois de Saramago, VHM tornou-se meu escritor português favorito. Todas as leituras deste escritor são densas, profundas e emocionantes. Este livro mostra as andanças de uma menina que perde a irmã gêmea, ainda jovem. É um livro sobre a dor da morte, sobre o perdão, sobre a tentativa de viver sem a pessoa que te acompanhava em todos os momentos. É uma história triste, desumana, porém, de uma humanização controversa de arrancar lágrimas. Todos os livros do VHM deixam o leitor em silêncio profundo por alguns momentos. São experiências quase que catárticas. “Quem não sabe perdoar, só sabe coisas pequenas.”
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As nuvens – Juan José Saer
Dos últimos livros do argentino, conta a história magistral de um médico que vem para a Argentina para a construção do primeiro manicômio, e para isso terá que conduzir cinco loucos da cidade de Santa Fé a Buenos Aires. Nesta empreitada juntam-se vários personagens, entre eles soldados e prostitutas. Um romance psicológico, muita sagaz. “… a razão que engendra a loucura.”
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Chamadas telefônicas – Roberto Bolaño
Porque Bolaño é o maior escritor Chileno e é um dos meu favoritos e em contos é de uma maestria sem limites. São contos onde todos os detalhes são um mistério e o leitor vai moldando cada texto. O importante de ler um livro de Bolaño é ler todos os livros de Bolaño, pois há uma genial interetextualidade entre eles.
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A morte do pai e Um outro amor – Karl Ove Knausgard
Estes são, sem dúvidas, as melhores leituras deste ano. Nunca serei capaz de definir qual é meu preferido. E isto por que ainda existem mais 4 para vir. Demorei um pouco para pegar estes livros. Ficava imaginando, porque deveria ler a autobiografia de um norueguês desconhecido e ainda por cima em seis volumes? Depois de só ler coisas interessantes sobre o primeiro volume, não resisti e comecei A morte do pai. Talvez, somente a experiência de ler estes livros façam com que o leitor entenda a crítica. É uma avassaladora relação de sentimentos trocadas entre escritor e leitor, personagens profundos, mas que sempre parecem estar ao seu lado. O primeiro volume é uma intensa reflexão sobre a morte, e toda reflexão sobre a morte é uma análise sobre a vida. São traçados os caminhos da infância e juventude do escritor, de forma tão bonita e palpável, qua parecemos estar em uma sessão de terapia onde ele nos conta cada detalhe. É uma desbunde sobre arte, filosofia e literatura, que vai crescendo a cada página. Sabe aqueles momentos da vida em que você para e diz: “Minha vida daria um romance”? Pois desta maneira, Karl Ove, constrói Minha Luta, esta saga dividida nos 6 volumes. O primeiro livro tem momentos lindos e reflexivos, como as passagens de convivência com a avó no momento de contar sobre a morte do pai. A juventude com sua banda de rock, suas bandas favoritas, as bebedeiras com os amigos, a convivência “conturbada” com o pai. O segundo volume é o colapso da vivência de seu segundo casamento, a descoberta da paternidade, um certo bloqueio na vida de escritor. Um livro cheio de memórias e reminiscências, de amor aos filhos, à mulher e principalmente à solidão de escritor. Do arrependimento de alguns momentos passados na juventude. É impossível deixar de ler qualquer um dos dois. “Pois os seres humanos são apenas formas em meio a outras formas, as quais o mundo não cessa de reproduzir, não só naquilo que tem vida, mas também naquilo que não tem, desenhado na areia, na pedra e na água. E a morte, que sempre considera a maior dimensão da vida, escura, imperiosa, não era mais que um cano que vaza, um galho que se quebra ao vento, um casaco que escorrega do cabide e cai no chão.”
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O que amar quer dizer – Mathie Lindon
Que livro bonito. Uma linda forma de agradecer uma amizade e o amor de um pai. A relação de Mathie Lindon com Michel Foucault transcende a amizade. Uma forma de retribuir todo o amor recebido mesmo que sempre com a nostalgia da saudade, da falta de contar como a vida está depois da morte. “Viver é viver de outra maneira.”
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Tempo de espalhar pedras – Estevão Azevedo
A estória se passa em um vilarejo atemporal ontem existe um garimpo. Personagens que tem o sonho de enriquecer, talvez o sonho de todos os vilarejos pobres e afastados do mundo. De prosa seca e poética, é a estória da destruição de um povoado, onde não há mais lugar para garimpar atrás de uma pedra que valha a subsistência por anos e que os únicos lugares restantes são as propriedades de cada morador. É a desistência humana pela cobiça, tão comum em toda a história da humanidade. “Mais comum é a doença nascer no interior do corpo; as pústulas, apenas as emissárias da má nova, não tão nova assim, visto que há muito carcome quem a hospeda: em suas entranhas, um embate se trava, muitas vezes por desacordo entre estruturas mínimas, invisíveis, incorpóreas, talvez até inexistentes, cujo nascimento se deve não raro a outras feridas, às emocionais, às morais, às abertas pela culpa, pelo remorso, pela angústia, pelo medo, pela perda, pela inveja, pela cobiça, pela falta de estima por si mesmo, pelo arrependimento, pela saudade, pela solidão, pelo desejo.”
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Todo aquele jazz – Geoff Dyer
Livro delicioso para os amantes de jazz. Dyer é um ensaísta americano apaixonado por jazz e resolveu neste livro mesclar ficção e ensaio vertendo a sua paixão musical em prosa. É um livro sobre perdas, derrotas, destruição de alguns dos maiores jazzistas da história. Momentos tristes mas de grande importância de onde saíram grandes obras-primas do gênero. São passagens que chegam ao limite na vida de cada um. Chet Backer, Art Pepper, Thelonious Monk, Duke Ellington, entre outros. O livro é todo improvisado como é o jazz. Um deleite de leitura.
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O mestre e Margarida – Mikhail Bulgakov
Com certeza este livro entrou para uma posição entre os melhores cinco livros favoritos da vida. Um dos melhores romances russos que já li. Favorito de Mick Jagger, que o inspirou a escrever Sympathy for the devil. A passagem do diabo pela Rússia deixa Moscou alucinada por vários acontecimentos estranhos. Engraçado, irônico, um realismo fantástico desenhado com maestria. Muitas vezes picaresco, uma comédia de costumes, também, para não deixar leitor parado. A cena do baile do diabo é impossível não cantarolar a música dos Stones no momento da leitura. Livro da lista para não deixar de ler antes de morrer. (este livro não entra em combate com os dois do Karl Ove como melhor do ano, pois ele entra no patamar de melhores da vida).
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