Em seu novo filme, Gus Van Sant lida mais uma vez com sua especialidade: a juventude. Desde seus primeiros filmes, como Mala Noche, Drugstore Cowboy e My Own Private Idaho existe esse frescor da juventude misturado com um mundo adulto mais complexo. Se em Elefante e Paranoid Park ele lidou com uma juventude pura e perturbada, Restless é o retrato da juventude romântica.
O filme conta a história de Annabel Cotton (Mia Wasikowska), uma jovem com um câncer terminal, e a construção de sua amizade e amor por Enoch Brae (Henry Hopper), um jovem que acabou de sair do coma, após sofrer um acidente de carro, responsável pela morte de seus pais. Apesar de seus pesares, Annabel está conformada com seu destino, teve tempo para aceita-lo e agora se vê livre para poder aproveitar seus últimos meses a sua maneira e apenas com aquilo que há de melhor, se recusando a passar por problemas cotidianos. Já Enoch é, como diz uma própria fala do filme, “without bright colors”. Ele, apesar de ter ganhado uma nova chance na vida, se vê revoltado e inconformado com o que lhe aconteceu e acaba carregando a morte consigo o tempo todo, não só pela não aceitação, como também porque seu melhor amigo é, na verdade, Hiroshi Takahashi (Ryo Kase), um fantasma de um kamikase japonês morto na II Guerra Mundial. Hiroshi age como a consciência de Enoch, dizendo-lhe quando um coisa já foi longe de mais. Apesar de estar sempre protegendo o amigo, Hiroshi sente um pouco de ciúmes da relação entre Annabel e Enoch, afinal, com ela, Enoch não precisa ser mais protegido do mundo. Ao poucos, eles vão se descobrindo e construindo uma felicidade muito frágil. Annabel trata sua morte de uma maneira muito leve, que é facil dizer se é um extremo ato de aceitação ou negação. Tudo para ela é uma grande brincadeira. No começo, esse flerte com a finitude chama a atenção de Enoch, que entra na “brincadeira”, até perceber que desenvolveu sentimentos reais pela namorada e passa a sofrer com sua futura morte, tendo que lidar assim com todos os seus traumas de ser “abandonado” no passado. Se existe alguém “inquieto”, como o título sugere, é ele. É Enoch quem tem dúvidas sobre o que é certo e errado, quais são seus reais sentimentos e como lidar com eles. E é Enoch quem, no final, tem um arco dramático, um amadurecimento. O jornal “The New York Times” definiu essa batalha interna do personagem como “exercício passivo-agressivo de coerção emocional”.
A história pode ser compreendida como uma mistura clichê entre Harold e Maude, filme em que um jovem frequentador de funerais de pessoas que não conhece, passa a ver um fantasma, exatamente como acontece em Restless, e Love Story, em que uma jovem talentosa e com muita vida, sofre de uma doença terminal, deixando seu namorado vivo e tendo que lidar com a dor e o sofrimento. O fato da história não ser novidade não tira em nada o brilho do filme. O roteiro é bem escrito e tem momentos muito, muito doces, misturado com explosões de emoções enrustidas e surpresas, boas e ruins, que te fazem pular da cadeira. Gus retrata esses jovens quase que com um conhecimento de causa. Ele sabe como fotografar a delicadeza frágil de Mia Wasikowska, e também sabe perceber os dois lados presentes em Henry Hopper – o revoltado sedutor e o garoto fofo e solitário. Henry, de apenas 21 anos e filho de Dennis Hopper, faz uma estréia brilhante. A câmera parece fascinada por seu rosto anguloso e seu jeito levemente “awkward”. Para mim, parece certo o seu futuro como ator. Não fosse pelo fato de já estar em pós-produção, eu certamente o colocaria como Dean Moriarty no elenco de On The Road, adaptação de Walter Salles para a obra clássica de Keouac. O rapaz simplesmente tem essa energia, esse charme imediato, misturado com um quê de rebeldia e um coração amável. Mia Wasikowska, também muito jóvem, apenas 22 anos, já mostrou seu talento em “The Kids Are All Right”. Aqui ela parece muito mais uma criança do que nos outros filmes, porém ela é capaz de mostrar uma fragilidade que vai muito além de seus personagens anteriores. Ryo Kase também dá uma grande interpretação a Hiroshi, com uma carga constante de arrependimento, solidão e tristeza.
A estética nem se parece com o esperado de Gus Van Sant. É muito mais “vintage”, no sentido dos figurinos, e lavado, na imagem criada pelo fotográfo Harris Savides (que já acompanhou Gus em diversos outros trabalhos), sempre com tons pastéis, meio enevoados, dando uma impressão de Portland como uma cidade presa num tempo de sonho. Savides já criou estéticas parecidas em Somewhere, de Sofia Coppola, e Margot e o Casamento, de Noah Baumbach, mas Restless leva isso ao extremo. Tanto que não conseguimos reconhecer muito de Gus nesse lado “filme hipster”. Primeiramente pensamos no próprio Noah ou até mesmo no estreante Ayoade (de Submarine). A trilha sonora é excelente e também ajuda a criar esse clima, contando com “Two of Us” dos Beatles para a cena de abertura, “Fairest of the Seasons” de Nico para a cena final (o que me lembrou um pouco o uso dessa mesma música no filme The Royal Tenenbaums de Wes Anderson) e Sufjan Stevens e músicas francêsas para o resto. Muito, muito bonito.
No final das contas, clichê ou não, o filme te conquista. Aos poucos, a tristeza e a beleza do filme vão entrando em você. Não conseguiria traduzir melhor o sentimento de quando saí da sala de cinema, mas se não dizendo: um choro que mistura pesar e doçura e, acima de tudo, uma catarse bem vinda. É o tipo de filme que vai te tocar e você vai se emocionar, e por um segundo talvez você possa questionar o destino e sua justiça mas, no final, o que sobra é esperança.
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