Em seu mais recente documentário “Caverna dos Sonhos Perdidos”, Werner Herzog faz uma raríssima visita a Caverna de Chauvet, que é de extrema importância pois contém as pinturas mais antigas já encontrada (32 mil anos), Visitas não são permitidas na caverna, e até mesmo expedições cientificas são restritas. Herzog conseguiu uma autorização do governo da França para entrar com uma equipe reduzida, 4 pessoas ao todo, apenas 3 painéis pequenos de luz fria e uma câmera não profissional e com direito a apenas 1 hora dentro da caverna. Sensação da última Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, o filme ficou preso na alfândega, podendo ser exibido somente dias depois. O próprio cartaz da mostra lhe faz uma referência.
O filme foi feito em 3D estereoscópico para conseguir passar, primeiramente, a sensação claustrofóbica de estar dentro da caverna e depois para explorar, assim como os artistas de Chauvet, a tridimensionalidade do espaço e como isso afeta as pinturas, criando relevos, sombras e esconderijos naturais. Finalmente um uso necessário e criativo dessa tecnologia.
Atualmente, a caverna se encontra numa passagem estreita dentro da montanha, mas, antigamente, antes de sofrer com deslizamentos que bloquearam sua entrada original, ela era aberta e portanto deveria ser iluminada pelo Sol em seu início. Apesar disso, a maior parte das pinturas ficam em seu interior, no completo escuro. Dessa forma, os homens neandertais que utilizavam a caverna preferiam pintar utilizando tochas, pois o movimento do fogo gerava uma ilusão de movimento também nos desenhos, dando vida ao animais. Em sua narração, Herzog levanta uma questão principal que guiará o resto do documentário: essa sugestão de movimentos pode ser entendida como uma forma de proto-cinema? Aquela forma de arte é, de fato, o berço da civilização moderna? Toda a arte que temos hoje derivou dali? Temos hoje o mesmo inconsciente coletivo que aqueles seres primitivos?
Essas são todas dúvidas justificáveis, uma vez que o ritual de desenhar objetos “dançantes” próximo ao fogo tem a mesma idéia básica do cinema: reunir pessoas em torno de ícones projetados com luz e sombra. O filme começa falando de Chauvet, mas quando essas questões mais existenciais são levantadas, Herzog migra para outras cavernas, próximas daquele lugar e mais distantes, para tentar descobrir que tipo de arte àqueles homens estavam criando há 30 mil anos, 20 mil anos e acaba por encontrar obras semelhantes de zoomorfismo (seres semi-humanos semi-animais, animais de múltiplas panas, representações realistas).
Herzog justifica essas criações semelhante devido ao poder das paisagens, da natureza. Esse poderia ser o elo entre os seres do passado e nós, essa visão e interpretação que nos compele aos mesmo sentimento e necessidades (uma teoria um pouco Junguiana de inconsciente coletivo).
O documentário aborda um aspecto muito mais filosófico do que científico, que é tentar criar uma narrativa a partir daquela caverna: quem eram aquelas pessoas? Essa, porém, é uma pergunta sem resposta, o passado está perdido e não pode ser reconstruído. Chauvet, diz Herzog, é um flash de um momento congelado no tempo. Um abismo do tempo. Talvez daí venha o nome do filme: sonhos esquecidos, sonhos mortos que não podem ser recuperados. Tudo o que se tem são dados científicos e não mais esse lado humano, dos sonhos, da personagem. Cria-se aqui uma relação entre essa busca do tempo perdido dentro do filme e a busca do tempo perdido no cinema em geral (como era defendido por Tarkovski, que dizia que víamos filmes para recuperar o tempo que perdemos e as experiências de vida que não tivemos). Esse é um filme de Herzog buscando as origens da arte e dos sentimentos humanos, mas sem nunca encontrar uma resposta concreta, pois ela, se algum dia existiu, ficou perdida em anos e anos de evolução.
You might also like
More from Filmes, HQs e Séries
Oscar 2018 confirma influências culturais do México nos Estados Unidos
As premiações de Melhor Direção para Guillermo del Toro com “A Forma da Água” e Melhor Animação para o filme …
Up! Altas Aventuras anuncia novo show no Animal Kingdom
Em 2018 uma nova atração aguarda os fãs de “Up! Altas Aventuras” (2009) no parque temático Animal Kingdom, na Disney, …
Festival Internacional de Cinema de Trento, na Itália, promove proteção ambiental
A cidade italiana de Trento, no norte da Itália, abriga um dos mais tradicionais e diferentes eventos de cinema da …