Galileu foi brilhante, mas em sua descoberta mais famosa, ele estava (com o perdão do trocadilho) redondamente enganado. A Terra é chata. Chata em demasia, às vezes. Não me leve a mal, o mundo tem várias coisas pelas quais vale-se viver, mas há um excesso de bom mocismo que me irrita profundamente e só se fez mais claro na época do amplo acesso à internet. As pessoas devem lutar pelos seus direitos, pelas suas opiniões, contudo devem fazê-lo com inteligência e não com dispêndio de recursos (principalmente tempo) de forma inútil.
Após o conhecido caso envolvendo o humorista Rafinha Bastos e a cantora Wanessa (ex-Camargo), houve um intenso debate sobre os limites da piada. Outros humoristas já sofreram com a perseguição da patrulha do politicamente correto. Não que eu ache todas as piadas de Bastos, e seus companheiros no que tem sido apelidado de “nova geração do humor brasileiro”, engraçadas. Algumas até são, admito. O que pouca gente parece entender é que esses comediantes, a imensa maioria oriunda do chamado stand-up, estão importando um tipo de humor já consagrado nos Estados Unidos. Só que lá a chatice é menor. Você pode falar o que você quiser, você pode citar nomes, raças, crenças, sem sofrer qualquer tipo de retaliação judicial. É piada! O controle de qualidade é feito como deve ser sempre, pela, atenção, qualidade! Ao final deste texto eu disponibilizarei o link de um show completo (e legendado) de um dos meus comediantes americanos favoritos, Louis CK. Quem tiver curiosidade poderá conferir o quanto o tom das anedotas é “pesado” e refletir sobre como seria recebida uma apresentação dele no Brasil. Porém, o ponto é que não devemos nos importar com o que não é…importante.
Vamos falar de música, então. Você certamente tem suas bandas favoritas, os artistas os quais você admira e sempre espera algo a mais. O problema é que nem sempre eles respondem à altura. É normal. Qualquer trabalho está suscetível a pontos altos e baixos e todo músico tem o direito de mudar o seu estilo a hora que quiser. Contudo, tem que estar pronto para receber críticas pelo que disponibiliza para apreciação pública e vende. A grande maioria, inclusive, está e ninguém e intocável. Já dizia o velho Fiodor Dostoiévski: “o público é um mal necessário”. O problema dessa discussão toda são os fãs. Ou alguns deles. Os xiitas ou, como eu gosto de chamar, fundamentalistas musicais.
Fundamentalismo, na definição da Wikipédia é: “a estrita aderência a um conjunto específico de doutrinas teológicas tipicamente em reação à teologia do Mordernismo”. A metáfora é perfeita. Há pessoas que aderem a bandas e artistas específicos como se fossem uma religião. E não fazem nenhuma concessão quanto a isso. Não suportam vê-los sendo criticados e se esforçam em fazer do debate uma coisa infantil. Perceba que não estou me referindo a música como um todo, apenas a unidades menores. Na sua cabeça, devem ter vindo admiradores de grupos como Restart, Cine ou fenômenos sertanejos. Aí é que você se engana. Isso existe em todos os estilos musicais e, sem exceção, é estupidez. A discussão é sempre saudável, desde que seja feita com bons argumentos e um certo respeito ao processo em si. Toda unanimidade é burra, certo Nelson Rodrigues? O choro é livre, só não é bonito se for o choro de uma criança mimada.
Agir como tal, apenas credencia esse grupo a não ser ouvido com atenção, não ser levado a sério. Discordar, mas de forma fundamentada. Discutir, mas com argumentos. Senão acabamos caindo naquela chatice do começo do texto e os excessos cometidos contra a geração atual do humor brasileiro. Levar a vida com mais leveza e sem se preocupar tanto com críticas que não tem nenhum cunho pessoal. Sua banda preferida pode lançar um disco ruim (ou todos), seu ídolo pode ser achincalhado por um período não tão criativo, todavia isso não desmerece o que ele representa pra você. Não há nada mais bonito pra mim que uma guitarra quebrada, cheia de fissuras, um rosto com rugas e história. Abaixo à ditadura da perfeição. Quem critica também tem o dever de estar pronto a defender seu ponto de vista com coerência. Talvez assim, Galileu e outros que lutaram para provar suas ideias e as levaram até as últimas consequências, tenham sua memória respeitada.
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9 Comments
Texto muito bom! Parabns
Comecei a ler esse texto pensando o quo non-sense foi essa chamativa, mas depois de ler compreendi perfeitamente a analogia que voc fez com ela para abordar esse assunto to corriqueiro. Gostei.